Chegou ao fim parte do imbróglio jurídico de quase 20 anos, que permitia que centenas de pessoas usassem legalmente um prédio inacabado no Centro de Porto Alegre para moradia e comércio desde 1957. Os últimos moradores do edifício Galeria XV de Novembro, conhecido como "Esqueletão", se mudaram neste domingo (26), e a desocupação do local, que apresenta risco estrutural, foi, por fim, concluída.
Ao longo da manhã, o entorno do prédio foi isolado, para que os três moradores restantes levassem seus pertences até a rua, com a ajuda de funcionários da prefeitura. Um caminhão de mudança foi carregado e os objetos foram levados para os lugares indicados pelos moradores. Tudo foi acompanhado também pela Guarda Municipal e a Brigada Militar.
Iniciadas ao amanhecer, as movimentações do último dia do processo de desocupação do prédio foram encerradas por volta das 9h. Não houve conflitos, mas havia descontentamento – a camelô Maria de Lourdes Barbosa Graminho, 54 anos, morava há 15 anos no prédio e reclamou:
— Estão desocupando só porque a gente é pobre. Tu acha que o prédio vai ser demolido? Não vai. Vai continuar no mesmo lugar, por mais 50 anos, do mesmo jeito. Ninguém vai fazer nada e mais pessoas vão invadir e colocar luz e água, tudo do mesmo jeito, e a gente que teve que sair dali para outras pessoas entrarem.
A camelô criou cinco filhos no "Esqueletão". Até um mês atrás, seguia no prédio, na companhia de uma filha e um neto. Maria de Lourdes alugou por R$ 1 mil na Rua Dr. Flores um quarto com um beliche, que está compartilhando com o neto. Para caber no espaço locado, deixou para trás fogão, armário, cama e uma máquina grande de costura.
— Minha vida se tornou o básico. O que eu tinha, que era um apartamento de dois quartos, cama, cozinha grande e banheiro, virou uma caixinha de fósforo — lamenta Maria de Lourdes.
Metade do aluguel será paga com o auxílio-moradia oferecido pela prefeitura a 19 das 27 famílias que habitavam o local, que foram consideradas como em situação de vulnerabilidade social. O benefício tem duração de até 24 meses. Para os moradores que tenham entregue a documentação mais tarde e não tenham recebido o auxílio ainda, como a filha da camelô, a prefeitura ofereceu acolhimento provisório em pousadas conveniadas com o município.
Alisson Leonardo Ferreira da Silva, 25 anos, morou por vários períodos no "Esqueletão". Quando criança, vivia com sua mãe e sua irmã no local. Depois, alugou peças só para ele em algumas ocasiões, pagando ou não aluguel. Na manhã de domingo, retirou seus pertences do espaço, mas não sabia para onde ir. Foi orientado a conversar com uma equipe da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), que fazia plantão nas proximidades, para atender os moradores.
Apesar de o prédio não ser uma ocupação – os espaços têm, legalmente, proprietários e inquilinos – Alisson descreveu um cenário caótico dentro do "Esqueletão".
— É cada um por si, não tem um padrão. É que nem invasão: nada é padronizado, as pessoas fazem gato, é tudo enjambrado. Eu já vi gente morrer esfaqueada aqui dentro — relata o jovem, que tem vendido balões para conseguir comprar alimentos e um celular.
O que acontece agora
O prefeito Sebastião Melo destacou o simbolismo da desocupação do Esqueletão, que, para ele, representa a falência do Centro Histórico.
— Temos um Centro bonito, que tem tudo para ser um espaço de convivência urbana maravilhoso. Nós não queremos o Esqueletão, nem ocupado e nem desocupado. Nas próximas semanas, vamos ter que traças alternativas para o destino do prédio, porque não adianta desocupá-lo e ele continuar fechado — destacou Melo.
Com o edifício vazio, o Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais (Leme) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) iniciará, na semana que vem, uma análise aprofundada da sua estrutura. O estudo deve ser concluído até o final do ano e definirá se o local será desapropriado pela prefeitura e demolido ou reformado, para que não haja risco de desabamento ou incêndio.
— Tomaremos a decisão sobre as medidas necessárias para que esse prédio tenha uma solução, que certamente não é continuar assim. Ou ele será demolido, ou concluído — resume o secretário municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos, Cezar Schirmer.
Enquanto isso, para não haver ocupações, uma das entradas do prédio será cimentada e a outra será fechada com tapumes, sendo deixado apenas um espaço para a passagem dos engenheiros da UFRGS e de trabalhadores do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que farão a limpeza do local nos próximos dias.
O processo tramita desde 2003 junto à Procuradoria-Geral do Município (PGM), segundo Eleonora Serralta, procuradora-geral adjunta de Domínio Público, Urbanismo e Meio Ambiente. Inicialmente, o objetivo era que os proprietários se responsabilizassem pela conclusão do prédio – o que principalmente os comerciantes que possuíam lojas no térreo manifestavam desejo de fazer. Entre idas e vindas, o Esqueletão chegou a ser desocupado, no final dos anos 1980, mas reocupado depois. Agora, com a constatação por meio de laudo do município sobre o risco estrutural, a saída dos moradores e dos lojistas foi determinada.
— Nos anos 1980, os proprietários ajuizaram uma ação e conseguiram a titularidade dessas salas, mesmo daquelas nas quais não foi feito quase nada. É uma aberração jurídica. A gente tentou impugnar isso no registro público, mas não tivemos sucesso — relata Eleonora.