Desde o início do Pacto Alegre, em 2018, o consultor catalão Josep Miquel Piqué se tornou uma espécie de guru do projeto, que envolve poder público, iniciativa privada e universidades na transformação da capital gaúcha em um polo internacional de inovação.
Em 2021, em que pesem os desafios da pandemia, Piqué se despede de Porto Alegre mais otimista do que desembarcou. Em conversa com GZH, ele destacou o comprometimento da nova administração municipal com o Pacto, chancelou as principais iniciativas no horizonte – como o desenvolvimento da marca da cidade e a revitalização do Centro Histórico – e ficou particularmente encantado com o Instituto Caldeira, que desde a sua última visita foi de fábrica abandonada a espaço multissetorial de inovação.
Confira os principais trechos da entrevista.
Quando conversamos pela primeira vez, em 2018, o senhor ressaltou a importância de as cidades oferecerem qualidade de vida para reter talentos. Previa que a escolha de uma cidade não passaria mais pela sede da sua empresa, pois elas trabalhariam de qualquer lugar. A pandemia acelerou esse processo?
Claramente houve uma redução da vida social, em razão do distanciamento. Mas estimulou a incorporação de novas tecnologias para o desenvolvimento social e profissional. O acesso à informação foi facilitado, as videoconferências para trabalho se normalizaram entre empresas e clientes. No pós-covid, a importância de as cidades serem locais agradáveis, com qualidade de vida, será maior ainda do que antes porque as pessoas estão trabalhando para empresas de todo o mundo mais do que nunca. E atenção para a cultura. O setor foi muito afetado, mas ele terá um papel enorme na retomada. Para resgatar o uso de espaços públicos e privados. Para aprendermos a transitar pela covid e vivermos o pós-covid da melhor forma possível.
Em evento realizado no Farol Santander, na terça-feira (31), o senhor falou que Porto Alegre deve apostar nas características que fazem dela única. Quais diferenciais o senhor observa?
A cidade tem um espírito empresarial. Por todos os lados há empresários envolvidos em conversas, em eventos corporativos, em grandes projetos. É claramente uma cidade com vocação empresarial. Isso não faz dela necessariamente uma cidade boa para os empreendedores. E é esse o grande desafio: transformar a vocação empresarial em uma vocação empreendedora. Creio que o envolvimento de universidades, incubadoras e poder público por meio do Pacto Alegre podem servir para isso. Hoje estive no Instituto Caldeira. É um exemplo de tangibilidade disso: uma fábrica abandonada que se tornou uma fábrica de conhecimento apostando em conectar empresários e empreendedores.
A nova administração municipal escolheu a revitalização do Centro Histórico como um cartão de visitas. Quais são os desafios específicos para essa região?
Eu acredito que é uma aposta correta do poder público. Por ser simbólico e pela alta densidade de pessoas circulando na região. O maior desafio é a enorme quantidade de prédios abandonados ou em baixo uso. Um caminho para isso é incentivar a ocupação de parte desses espaços para a indústria cultural e criativa, porque ela irradia no comércio e, posteriormente, no turismo. Outro ponto de atenção fundamental para o Centro é aumentar a quantidade de espaços atraentes para viver. Um conceito interessante é o de vivendas (espaços de coabitação) voltadas tanto para jovens quanto para adultos interessados em residir temporariamente na região.
O senhor mencionou uma ideia aplicada em Barcelona de os prédios da iniciativa privada disponibilizarem partes do imóvel para a prefeitura, que ocuparia os espaços com negócios estratégicos para a região. Vê aplicabilidade no Brasil?
Vejo, sim. Em Barcelona, são imóveis que são reformados pela prefeitura com recursos públicos ou privados, depois são cedidos para parceiros privados desde que parte do imóvel se mantenha público com os custos cobertos pela iniciativa privada. São usados não só para desenvolvimento cultural, mas também social. Porque alguns desses espaços são usados para que públicos que não têm acesso consigam usufruir desses empreendimentos.
Uma das iniciativas da prefeitura é uma maratona de ideias (hackaton) para o Centro Histórico. Esse modelo de sprints, com equipes focadas em soluções, é bastante utilizado por empresas privadas em busca de mudanças. O modelo pode funcionar para governos?
Perfeitamente. É o que chamamos de open innovation. Pode funcionar desde que contemple alguns pontos. Que as ideias, além de boas ideias, sejam aplicáveis pelo poder público. Não basta serem boas ideias, têm de gerar ao menos um protótipo. Outro ponto fundamental para um hackaton dar certo é oferecer uma boa premiação, um bom reconhecimento. Porto Alegre se preocupou com esses pontos. Fiquei feliz que o primeiro prêmio será uma viagem a Barcelona, para que conheçam pessoalmente ideias inovadoras.
Quando o senhor veio a Porto Alegre da última vez era uma outra administração municipal. Houve mudança em relação ao Pacto Alegre?
A ideia do Pacto é justamente trazer universidades e outros agentes para que a iniciativa se torne maior do que o governo, que é apenas um dos agentes e transitório. Tenho que reconhecer que o prefeito Sebastião Melo e sua equipe estão claramente comprometidos, como estavam (Nelson) Marchezan e (José) Fortunati. Todos estiveram dispostos a somar a longo prazo.
Uma das iniciativas do Pacto Alegre é criar uma marca para a cidade. Por que isso é importante?
Uma marca exalta o posicionamento da cidade a partir de uma projeção das suas capacidades. É importante, claro, para ajudar a cidade a ser associada àquilo que deseja ser associada. Porém, é importante também para desafiar quem trabalha com design na cidade a tentar resumi-la, representá-la em desenho. Em Barcelona, o design é visto como um fator de transformação para competitividade, sustentabilidade e impacto social, por isso há o Centro de Design de Barcelona, que funciona como um cluster de talentos e projetos. Minha sugestão para Porto Alegre é escolher um prédio no Centro e fazer o mesmo.
O Pacto Alegre elencou sete projetos como prioridades para o desenvolvimento da cidade. Entre as prioridades, qual é a prioridade, na sua opinião?
Todos me parecem importantes a longo prazo. Mas, como estamos falando de prioridades, me agrada Porto Alegre trabalhar para ser uma cidade educadora. Porque educar significa detectar talentos e propiciar condições de desenvolvimento para pessoas e, a partir delas, para a cidade. Uma coisa que perpassa essas prioridades são as entregas de espaços para que os projetos se desenvolvam, como foi o Instituto Caldeira. Em 2018, não havia nada naquele local. Espero que isso continue acontecendo.