Quem olha para os números do Anuário da Cerveja no Brasil em 2020, documento lançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento nesta sexta-feira (30) com dados do setor cervejeiro, não diria que se trata de um balanço em que boa parte das empresas envolvidas perderam as fontes de 80% do seu faturamento com a chegada da covid-19.
Em que pese algumas sequelas da pandemia – pela primeira vez desde 2008, por exemplo, houve uma redução no registro de produtos no Brasil – o ano passado terminou com 204 novas cervejarias abertas frente a 30 cancelamentos de registros. Em relação ao ano anterior, foi um crescimento de 14,4%.
Como é de praxe, Rio Grande do Sul e Porto Alegre se destacam nos rankings nacionais. O Estado é o segundo com mais cervejarias no país (perdeu a liderança para São Paulo em 2019), com 258 marcas, 22 a mais do que em 2019. Das 10 cidades brasileiras com o maior número de cervejarias por habitantes, nove são gaúchas.
Porto Alegre, neste cenário, é um fenômeno ainda maior. É a capital brasileira com mais cervejarias por território e a quarta cidade do Brasil neste ranking: tem uma cervejaria a cada 12 quilômetros quadrados. É ainda cidade com mais cervejarias – 40, uma a mais do que São Paulo – e a líder em cervejas registradas junto ao Mapa: são 1.656, mais de 20% deles em 2020. No ano que passou, a capital gaúcha registrou 349 cervejas, quase uma por dia.
Conforme Márcio Maciel, publicitário que desde 2016 mapeia as cervejas do Rio Grande do Sul para o site Cevas Gaúchas, entender como as cervejarias resistiram com relativo sucesso à pandemia passa pela interpretação desse último dado, de registro de novos produtos.
Pré-pandemia, 90% do faturamento vinha do fornecimento a bares e restaurantes. Hoje, 80% corresponde a venda direta ao consumidor
MARCELO MOSCHETTA
empresário
– As cervejarias artesanais menores tinham a maior parte do faturamento na distribuição a restaurantes e eventos. Vendiam a cerveja diretamente em barril. Essa fonte secou quase completamente em 2020. Isso obrigou as marcas locais a lançarem novos produtos para vendê-los diretamente ao consumidor final – aponta Maciel.
O movimento era especialmente desafiador porque, via de regra, as microcervejarias não têm condições de concorrer com as grandes marcas em gôndolas de supermercado. O custo da operação é alto e exige, ainda, a pasteurização das bebidas. Cervejarias menores costumam trabalhar exclusivamente com a chamada “cerveja viva”, cujo prazo de validade é menor. Para pulverizar a distribuição dos produtos foi fundamental a adoção em massa das garrafas PET. Ou melhor, os “growlers plásticos”.
A venda nos recipientes de um litro de cor âmbar tem inspiração na cultura norte-americana de conservar um growler de vidro em casa para comprar cervejas artesanais de estabelecimentos vizinhos. No momento de emergência, o growler plástico serviu para desovar estoques dos barris, otimizar a venda direta ao público em recipientes mais baratos do que o vidro e a lata e para distribuir os produtos em pequenos comércios locais.
– Repara como cresceu, na pandemia, a presença das cervejas artesanais em growler em açougues, mercadinhos de bairro, lancherias... qualquer lugar com um freezer está valendo – avalia Marcelo Moschetta, da cervejaria Old Captain, com sede em Canoas e distribuição na Região Metropolitana.
Moschetta teve ainda a ideia de comprar uma impressora de rótulos e oferecer a esses pequenos estabelecimentos a oportunidade de colocarem os nomes nos rótulos da Old Captain. Assim, o estabelecimento agrega sua marca aos produtos e é fidelizado pela cervejaria. Desde abril de 2020, a cervejaria lançou 21 novos produtos e inverteu suas fontes de faturamento.
– Pré-pandemia, 90% vinha do fornecimento a bares e restaurantes. Hoje, 80% corresponde a venda direta ao consumidor, também com venda online e pegue e leve. Esses 80% de hoje não são ainda os mesmos 80% de antes, mas não fomos forçados a demitir ninguém e estamos em uma situação melhor do que imaginávamos – conta.
Reforço de marcas
Ao deixarem de ser opções nos cardápios e torneiras de bares, as cervejarias tiveram ainda de reforçar as suas marcas para criar um recall nos clientes. Embora tivesse dois endereços em Porto Alegre, no 4º Distrito e na Cidade Baixa, a Veterana perdeu a maior parte do seu faturamento, que vinha de eventos. "Veterana", inclusive, vem do nome da Kombi cravejada de torneiras que visitava feiras de rua, casamentos e afins.
Uma estratégia para fortalecer a marca foi mudar o layout do bar que os sócios mantinham na Rua Joaquim Nabuco, na Cidade Baixa, que se chamava B.O.D. - Beer On Demand e já apostava no modelo de operação como “growler station” antes de pandemia fazer disso uma necessidade. Em janeiro, o estabelecimento virou Veterana Beer Store.
– O bar já era vinculado à Veterana, mas tinha gente que nem sabia disso. Quando pintamos e mudamos o layout, alguns clientes e vizinhos pensaram que havia mudado de dono. Na verdade, foi uma decisão nossa de consolidar a marca na cabeça das pessoas. O consumidor de cerveja experimenta bastante, mas ele se torna bastante fiel às marcas que ele gosta – conta Rodrigo Grossini, um dos proprietários.
Ao longo da pandemia, a marca também ativou a entrega por delivery e lançou um clube de fidelidade: os litros comercializados de cerveja – apelidados de “litros de vantagens” – se tornam pontos para trocar por mais bebida ou por produtos da marca como canecas, copos e camisetas. Souvenirs estratégicos, segundo Grossini:
– A ideia é lembrar da Veterana enquanto estivermos em casa.
Sabe-se lá por quanto tempo, mas com as geladeiras cheias.
RS e Porto Alegre no Anuário da Cerveja 2020
Estados com mais cervejarias:
São Paulo: 285
Rio Grande do Sul: 258
Minas Gerais: 178
Santa Catarina: 175
Paraná: 146
Cidades com mais cervejarias:
Porto Alegre (RS): 40
São Paulo (SP): 39
Nova Lima (MG): 23
Curitiba (PR): 22
Caxias do Sul (RS): 19
Estados com mais cervejarias por habitantes:
Santa Catarina: uma cervejaria a cada 41.443 habitantes
Rio Grande do Sul: uma a cada 44.275
Paraná: uma a cada 78.882
Espírito Santo: uma a cada 99.123
Minas Gerais: uma a cada 119.622
Municípios como mais cervejarias por habitantes:
Santo Antônio do Palma (RS) uma cervejaria a cada 1.062 habitantes
Esperança do Sul (RS) uma a cada 1.443
Dona Francisca (RS) uma a cada 1.500
Vila Flores (RS) uma a cada 1.698
Ipiranga do Sul (RS) uma a cada 1.880
São Valentim do Sul (RS) uma a cada 2.245
São Vendelino (RS) uma a cada 2.266
Forquetinha (RS) uma a cada 2.400
Cássia dos Coqueiros (SP) uma a cada 2.505
Coronel Barros (RS) uma a cada 2.520
Cidades com mais cervejarias por quilômetro quadrado:
Lauro de Freias (BA): uma cervejaria a cada 6,4 Km
Pinhais (PR): uma a cada 7,6 Km
Cabedelo (PB): uma a cada 10 Km
Porto Alegre (RS): uma a cada 12,4 Km
Balneário Camboriú (SC): uma a cada 15,1 Km
Estados com mais registros de cervejas:
São Paulo: 8.395
Minas Gerais: 5.895
Rio Grande do Sul: 5.412
Santa Catarina: 4.222
Paraná: 3.546
Cidades com mais registros de cervejas:
Porto Alegre (RS): 1.656
São Paulo (SP): 1.168
Nova Lima (MG): 1.053
Curitiba (PR): 823
Itupeva (SP): 749
Cidades que mais registraram cervejas em 2020:
São Paulo (438): 438
Porto Alegre (RS): 349
Itupeva (SP): 239
Curitiba (PR): 219
Blumenau (SC): 208