Dá para dizer que é uma boa notícia que ameniza outras tristes. A partir de uma denúncia, a Secretaria de Segurança recuperou em um dos acessos à Vila dos Papeleiros, na segunda-feira (5), 46 tampas de metal que haviam sido furtadas da prefeitura de Porto Alegre e de prestadores de serviço, como empresas de telefonia.
O aumento do assédio de criminosos a esses metais, todavia, é uma das pontas de problemas sociais como o desespero por renda e a falta de matéria-prima no mercado. Somente em 11 peças que haviam sido furtadas do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), a estatal calcula ter recuperado mais de R$ 6,5 mil, incluindo uma peça confeccionada em 1979.
— Esse valor é só em material, porque a reposição de uma tampa de esgoto levada demanda outros custos, como o trabalho da equipe no local, o isolamento do trânsito e assim por diante — explica o diretor do Dmae, Alexandre Garcia.
O Dmae vem contabilizando aumentos nos furtos de suas peças de metal. Somente na distrital responsável pela região central, foram 14 tampas furtadas em março passado. Mesmo essas peças pesando entre 21 quilos (retangulares) e 53 quilos (redondas) e estando localizadas muitas vezes no meio das vias. Entre hidrômetros – também cobiçados pelos metais – foram 28 furtados somente nos primeiros nove dias de fevereiro. Ao longo de todo 2020 haviam sido 70.
Conforme o delegado Luciano Peringer, da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra o Patrimônio das Concessionárias e os Serviços Delegados da Polícia Civil, há uma conjunção de fatores por trás do crescimento desse crime, ambos reflexos da crise econômica.
– Estamos com escassez de praticamente todos os metais no mercado e o dólar está em alta. Então, tanto a venda legal quanto a clandestina elevaram seus preços, passando a pagar mais por esses materiais. Além disso, a pandemia e o desemprego deixaram mais gente na miséria. Em resumo: é mais gente desesperada para vender e pessoas pagando mais para comprar – explica Peringer.
O crime, que antes era restrito a usuários de drogas em busca de pequenos valores, passou a atrair outros perfis também por necessidade de renda imediata, mas com mais sofisticação nas ações.
Um dos metais mais cobiçado pelos ladrões e furtado principalmente de cabos, o cobre chegou a ter um aumento de 75% no preço. É reflexo principalmente da pandemia no Chile e no Peru, que produzem 40% do metal mundial. Hoje, chega a ser comercializado a R$ 35 por quilo. O ferro é comercializado a R$ 0,80 o quilo. Parece pouco, mas isso significa R$ 42,40 por uma peça de 53 quilos como uma tampa de esgoto circular, presente um milhares de vias.
Para o Dmae, o valor é irrisório. Cada uma das peças de ferro fundido dúctil custa entre R$ 395 (retangulares) e R$ 830 (redondos). Um valor que valeria a pena se considerada a qualidade e a durabilidade superior a 30 anos, mas que agora passou a ser cobiçada por criminosos, levando a prefeitura a estudar uma futura substituição por peças de polietileno de alta densidade.
Receber metais de origem ilegal é crime de receptação qualificada, cuja pena é de três a oito anos de reclusão. Em 2017, em uma tentativa de resguardar as grandes cidades desse crime, uma nova lei anexou ao Código Penal uma previsão de pena em dobro em casos em que os bens receptados pertençam ao poder público, estatais ou concessionárias de serviços públicos. Não foi o suficiente para coibir a prática que dilapida Porto Alegre e outras tantas metrópoles brasileiras.