Quem circula por Porto Alegre pode já ter admirado a floração dos ipês-roxos espalhados pelas vias da cidade, anunciando a primavera que teve início nesta terça-feira (22). Mas há muito mais por vir. Além das 1,3 milhão de árvores já existentes, a Capital deve receber, até o fim do ano, outras 1,8 mil novas mudas de diferentes espécies que prometem colorir ainda mais as próximas estações. É o primeiro plantio massivo em vias públicas desde 2015.
O trabalho teve início em julho, quando as avenidas Voluntários da Pátria, José Silva, Grécia, Diário de Notícias e Wenceslau Escobar, além das ruas Júlio Juraci da Luz, Jaques Machado e Ely Leite Urdapilleta começaram a receber os exemplares. Além desses pontos, a Praça Jornalista Orlando Loureiro, na Zona Sul, foi contemplada com 300 mudas nativas.
A distribuição dos novos exemplares, que estava prevista para começar em janeiro, e depois em março (foi adiada devido à estiagem que marcou os meses de verão), atrasou em razão da pandemia de coronavírus, segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams). A quantidade também foi impactada pelo adiamento: as 7 mil mudas inicialmente previstas para as vias da cidade terão de ser divididas em mais levas, que exigirão um novo registro de preço. A ideia é fazer uma nova contratação no ano que vem.
É a primeira vez que o serviço é feito por uma empresa terceirizada _ antigamente, havia uma equipe da Smams dedicada ao plantio. A principal diferença em relação a ações anteriores, segundo a pasta, é um planejamento mais cuidadoso, que busca destinar cada espécie ao lugar onde poderá se adaptar melhor, sem prejudicar instrumentos urbanos, como redes de infraestrutura.
— A árvore é um equipamento urbano. Tem comunicação direta com redes, calçadas, rebaixos. Ela tem de estar compatível para que a gente tenha sustentabilidade e uma arborização melhor, com menos manutenção — explica o coordenador de áreas verdes, Alex Souza.
Outro esforço para garantir uma vida longa e saudável aos novos exemplares foi investir nas espécies nativas — como são chamadas aquelas que ocorrem naturalmente na cidade. Segundo Souza, pelo menos 80% das novas plantas são originárias da Capital (como jerivás, corticeiras-do-banhado e corticeiras-da-serra) ou do Rio Grande do Sul. Somente o trecho 3 da Orla do Guaíba, em obras, deve receber 850 mudas nativas.
Além de se adaptarem com mais facilidade ao clima e ao solo da cidade, as espécies autóctones tem um tipo de frutificação que ajuda a alimentar as aves da Capital. Também são menos suscetíveis a pragas como a erva-de-passarinho. Já do ponto de vista urbanístico, elas precisam ser equilibradas com as espécies exóticas.
— A maioria das nativas não perdem as folhas, o que dificulta o controle térmico de algumas vias. Nesses casos, uma exótica pode ser bem-vinda pra compor com as demais — diz Souza.
Os novos exemplares integrarão um banco de dados de árvores georreferenciadas para que a Smams possa acompanhar o desenvolvimento dos vegetais. Além disso, um mapa com localização, espécie e data de implantação de cada muda está sendo desenvolvido pela Procempa e deve ser disponibilizado para acesso público.
A importância das nativas
Em 2012, quando foi divulgado o mais recente Censo de Entorno do IBGE, Porto Alegre era a quarta capital brasileira com maior percentual de casas com árvores por perto na cidade: mais de 80%. Desde então, a paisagem já se modificou: um temporal em janeiro de 2016 varreu cerca de 3 mil árvores das vias.
Enquanto alguns exemplares famosos que resistiram, como as tipuanas da Gonçalo da Carvalho, a paineira da Siqueira Campos ou as palmeiras da Avenida Osvaldo Aranha, são árvores exóticas, 190 espécies nativas da Capital se oferecem à contemplação de quem circula pelas diferentes regiões da cidade. Área de transição entre a mata atlântica e o pampa, Porto Alegre apresenta vegetação desses dois biomas. Isso faz com que seja possível, por exemplo, que tanto árvores como as figueiras, características da mata atlântica, como os butiazeiros, naturais do pampa, cresçam naturalmente na cidade.
Mas já há espécies nativas escassas. Sem planejamento de arborização, em décadas passadas, foram plantadas diversas espécies exóticas, como os múltiplos ligustros encontrados nas vias, parte deles dada a Getúlio Vargas na década de 1940. Enquanto algumas cresceram saudáveis — como as descritas anteriormente —, outras viraram presas fáceis de pragas como a erva-de-passarinho. Algumas das exóticas, consideradas invasoras, passaram a disputar espaço com as espécies de Porto Alegre.
O esforço para plantar espécies nativas começou na década de 1980, mas só ganhou força nos anos 2000, a partir da publicação do Plano Diretor de Arborização de Vias Públicas. O documento prevê que as espécies locais sejam privilegiadas entre os novos plantios, respeitando um percentual mínimo de 70%. Nos últimos anos, as regras vinham sendo aplicadas nos plantios de compensação ambiental por obras realizadas na Capital.
Com a ajuda de técnicos da Smams, a reportagem levantou 10 exemplares de árvores nativas de Porto Alegre e uma do Rio Grande do Sul — os ipês-roxos que colorem a Capital às vésperas da primavera — que se destacam nas vias públicas. Tamanho da copa, preservação do vegetal, floração na primavera e valor histórico foram alguns dos critérios utilizados para montar um roteiro que passa por diferentes regiões da cidade.
Veja onde apreciar as planta nativas nesta primavera:
Umbuzeiro (Phytolacca dioica)
Na foto que ilustra essa reportagem, mais lembra um paquiderme recostado às margens do Arroio Dilúvio o tronco do umbuzeiro localizado à esquina das avenidas Ipiranga e Borges de Medeiros. De base alargada e aspecto rugoso, é a parte da árvore que mais dificulta sua ocorrência nas áreas urbanas, pois precisa de espaço para se desenvolver.
Butiazeiro (Butia odorata)
Difícil não reparar na dupla de butiazeiros que desponta à entrada do Parque Germânia, perto das quadras de tênis. Altos e levemente encurvados, os dois exemplares são os primeiros de uma série de árvores dessa espécie que os visitantes podem encontrar em um passeio pela área, um oásis de verde em meio aos múltiplos prédios altos da região.
Corticeira-da-serra (Erythrina falcata)
Pétalas alaranjadas no passeio da Rua Carlos Huber indicam o começo da floração da corticeira-da-serra localizada quase à esquina com a Rua Balduíno Roehring, perto do Colégio Farroupilha. As flores em cacho devem tomar conta da copa nos próximos meses, destacando a espécie nativa de Porto Alegre entre as outras árvores da via.
Jerivá (Syagrus romanzoffiana)
Um conjunto de oito jerivás à altura do número 544 da Rua Santo Antônio chama a atenção de quem circula pela via íngreme. Alguns dos compridos exemplares ultrapassam a altura do prédio, que, em aparente alusão às árvores, foi batizado de Palmeiras. Apesar do aspecto tropical, a espécie é nativa de Porto Alegre.
Pitangueira (Eugenia uniflora)
Vira atração da boêmia Cidade Baixa, na primavera, uma pitangueira vistosa na Rua da República, entre a Travessa Comendador Caminha e a Rua General Lima e Silva. É preciso sorte para conseguir provar seus frutos, que somem tão logo amadurecem.
Cedro (Cedrela fissilis)
Em meio aos ipês-roxos abundantes no canteiro central da Avenida Erico Verissimo, em frente ao Ginásio Tesourinha, uma copa de folhas verdes começa a se destacar com a chegada da primavera. Depois de perder as folhas no período de inverno, o cedro recompõe sua ampla copa para, em novembro, dar início à floração.
Pata-de-vaca (Bauhinia forficata)
Parar na sinaleira à esquina das ruas Barbedo e Múcio Teixeira, no bairro Menino Deus, é também uma oportunidade de apreciar a copa quase toda branca da pata-de-vaca que encerra um conjunto de seis árvores nesse trecho da via. Quem circula a pé pode ver em detalhes a beleza da espécie, cujas flores atraem abelhas nesta época do ano.
Ingazeiro (Inga marginata)
Espécie abundante nas margens do Guaíba, um ingazeiro ajuda a compor a paisagem de cartão postal em frente à Fundação Iberê Camargo, na Avenida Padre Cacique. De copa ampla, em formato de guarda-chuva, ele é um elemento a mais a ser observado no pôr do sol, além de fazer sombra para os ciclistas que passam sob a sua copa.
Corticeira-do-banhado (Erythrina crista-galli)
Completa o clima de romance à beira do Guaíba o exemplar de tronco retorcido junto à obra Para Namorar ao Pôr do Sol, que exibe um casal apaixonado sentado em um banco ao lado da corticeira-do-banhado. Característica de ambientes úmidos, a árvore exibe flores avermelhadas que se multiplicam nos meses primaveris.
Figueira (Ficus cestrifolia)
Berço da cantora Elis Regina, o IAPI cresceu ao redor da frondosa figueira cuja copa atravessa a Rua Rio Pardo. Quando foi construído, na década de 1940, a árvore já estava lá. Localizada em frente a um bloco de prédios, ela pode ser apreciada do Largo Elis Regina, mas também há um banco na calçada para quem quer curtir sua sombra.
Ipê-roxo (Handroanthus heptaphyllus)
Os ipês floridos estão por toda a cidade. Dois exemplares na Avenida Ipiranga, no entanto, chamam a atenção pela copa preservada: nas esquinas com a Avenida da Azenha e com a Rua Getúlio Vargas. Datados da década de 1970, foram plantados em locais onde os fios da rede de alta tensão são mais elevados, protegendo-os das podas.