
Em meio ao movimento incessante do Centro Histórico, um imponente vegetal na calçada da Rua Siqueira Campos, a metros do Paço Municipal de Porto Alegre, parece ignorado pela massa de pedestres que circulam pela via, que abriga o prédio administrativo da prefeitura e desemboca em um dos principais pontos turísticos da cidade. Décadas atrás, no entanto, a vistosa árvore não só se destacava, como tinha nome e sobrenome: era conhecida como a paineira do Bromberg.
— A Siqueira Campos é uma rua superimportante: dá acesso à prefeitura, ao Mercado Público. É uma região que atrai muita gente, e a árvore virou uma referência. Todo mundo falava: vamos nos encontrar perto da paineira? — lembra Celia Ferraz de Souza, professora na pós-graduação de planejamento urbano e regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No tempo em que conhecer espécies de árvores era corriqueiro, os prédios eram menos abundantes, o trânsito menos caótico e a circulação na via, menos intensa, o Magazine Bromberg, empresa alemã que trabalhava com maquinário, ferramentas e outros produtos, com parte do empreendimento na Siqueira Campos, era o vizinho mais célebre da paineira. Não demorou para que o boca a boca associasse as duas referências centrais, criando um emblemático ponto de encontro.
O que nem todos sabem é que a ligação entre a árvore e sua vizinhança era ainda mais estreita, e foi determinante para que o vegetal cuja copa impõe verde entre as construções acinzentadas atravessasse, intacto, décadas de urbanização. Proprietário da Bromberg desde a década de 1940, quando tornou-se sócio majoritário em Porto Alegre, Luiz Siegmann foi o principal protetor da paineira até a década de 1970, quando o vegetal foi tombado pelo município.
Nos anos 1950, a ameaça de extração
O laço entre o empresário e a árvore se fortaleceu a partir de uma ameaça real. Na década de 1950, a paineira entrou na mira da prefeitura, que pretendia extrair o vegetal, à época posicionado no leito viário, por "causar transtornos ao trânsito". Siegmann, que avistava a árvore da janela de seu escritório, procurou o então prefeito Leonel Brizola com uma proposta inusitada: ao pedir que ela fosse preservada, dispôs-se a pagar uma taxa de imposto pelo espaço que a planta ocupava na via. O apelo surtiu efeito, e a paineira foi mantida sem que seu protetor precisasse desembolsar um único tostão.
— Queriam derrubar a árvore porque diziam que ela estava atrapalhando. E meu pai tinha essa coisa, bem dele, de gostar das plantas. A paineira lembra essa luta do meu pai — recorda Leda Siegmann Düvelius, uma das filhas de Siegmann.
Depois da intervenção de Siegmann, a via desenvolveu-se ao redor da árvore, que, com as alterações, terminou "abraçada" pela calçada. Sua preservação definitiva, no entanto, veio apenas no fim da década de 1970, quando a paineira da Siqueira Campos foi incluída em uma lista com outras centenas de árvores consideradas de valor histórico para o município e que, portanto, jamais poderiam ser derrubadas. No local, a prefeitura instalou uma placa em bronze homenageando Siegmann, "amigo e defensor" da paineira – o objeto foi furtado e, em 2012, a família fez uma réplica da homenagem em material de menor valor, que lá permanece.

Marco do Centro Histórico, o vegetal também virou um dos principais elos da família Siegmann. Donos de imóveis nas proximidades, parentes do empresário batizaram empreendimentos com o nome da espécie: Edifício Paineira e Garagem Paineira.
— Quando meu tio usou Paineira, brincamos que ele tinha roubado o nome, que deveria ser nosso. A árvore uniu a gente. Pensa, em uma família com mais de cem pessoas, quase 80 apareceram quando refizemos a homenagem. Acho que as pessoas perceberam que, como meu pai cuidou da árvore, tínhamos de cuidar uns dos outros — diz Leda.
Vegetal pode ser da década de 1920, diz biólogo
Se as polêmicas e o tombamento ajudaram a consolidar a fama da paineira, além de garantir seu futuro na via, por outro lado, pouco se sabe sobre sua origem. Conforme um biólogo que atuou na antiga Secretaria do Meio Ambiente por quatro décadas, o vegetal exótico – a espécie é natural da Argentina – não foi plantado pela prefeitura: teria sido obra da comunidade.
— Não sei dizer como foi parar ali. A prefeitura só planta em praças, parques e canteiros centrais. E não teria plantado uma paineira, porque é uma árvore espinhosa. Acredito que ela seja da década de 1920, quando, no Brasil inteiro, ainda se plantavam árvores no leito viário — avalia Flávio Barcelos Oliveira, ex-funcionário da antiga Smam e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana.
Segundo Oliveira, é provável que a paineira da Siqueira Campos esteja entre as árvores mais antigas ainda preservadas em Porto Alegre – GaúchaZH entrou em contato com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) solicitando informações técnicas sobre o vegetal, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. Apesar de não ser nativa do Rio Grande do Sul, explica o biólogo, a planta dá-se bem em locais de solo argiloso, como ocorre em boa parte da Capital, o que favorece seu desenvolvimento – há exemplares em outros locais da cidade.
A paineira que já entrou para a história de Porto Alegre torna-se, cada vez mais, um elemento exótico no centro da Capital. Com as transformações sociais, arquitetônicas e culturais que aceleraram o ritmo do Centro, roubando as atenções, a árvore tem, ao longo dos anos, passado de observada à observadora do entorno, testemunhando silenciosamente as mudanças da cidade.
— Aquela paineira assistiu a muita coisa. Tudo que era importante estava ao redor dela. Isso prova que o tombamento tem o seu valor: se não fosse ele, o urbanismo já teria posto ela abaixo.