Embora o processo de impeachment de Nelson Marchezan tenha como peça-central gastos em publicidade em saúde, questões que passam ao largo da acusação foram determinantes para o desgaste político do prefeito na Câmara Municipal. Confira sete fatores da relação entre Executivo e Legislativo que pesaram para a abertura do processo que, conforme decisão desta sexta-feira (28) da comissão processante, será julgado em plenário até 9 de novembro.
1. Discurso apolítico
Os primeiros dissabores com o prefeito, sobretudo de vereadores mais experientes, vêm desde a campanha eleitoral de 2016. Embora no discurso de posse de Marchezan tenha dito que as soluções para os problemas da cidade estavam na “política com P maiúsculo”, os vereadores apontam que o prefeito se elegeu com um discurso apolítico, se colocando como uma mudança frente ao status quo representado pela Câmara.
Além de desconfortável, a pecha soou injusta a partidos cujo apoio foi fundamental para a eleição de Marchezan, como o PP e, no segundo turno, o PTB.
– Foi esse mesmo discurso, de ser um político jovem e visceralmente diferente de outros políticos, que elegeu Fernando Collor (ex-presidente, em 1989). Em geral, isso não acaba bem – declara um dos membros da Mesa Diretora.
2. Banalização do regime de urgência
Fora dos dissabores políticos, poucas coisas irritaram mais os vereadores e os presidentes do Legislativo no dia a dia do governo Marchezan do que o uso banalizado do regime de urgência, cujos projetos trancam a pauta da Câmara se não forem apreciados em 45 dias.
Desde abril de 2018, quando o Executivo enviou ao Legislativo um pacote de 13 “projetos estruturantes”, os vereadores reclamam estar sempre reféns das propostas priorizadas pela prefeitura e impedidos de legislar em prol das pautas do seu eleitorado.
– Já seria antidemocrático se os projetos fossem de fato prioritários. Mas grande parte deles é apenas para jogar para a torcida. Aquele pacote de mobilidade, por exemplo, era de projetos feitos em papel de padeiro, tão inconstitucionais que nem se quiséssemos aprovar, poderíamos – relembra um parlamentar que integrou a base governista.
3. Base desprestigiada
Uma unanimidade entre parlamentares que passaram pela base aliada de Marchezan é que não fazia muita diferença fazer ou não fazer parte do governo, pois eram tratados pelo Executivo da mesma forma que os independentes. Parlamentares de diferentes partidos, como MDB, DEM e PTB reclamam que só conheciam os projetos do Executivo depois de protocolados, impedindo que houvesse contribuições.
Outro fator que irritava os parlamentares era terem de se reportar à Secretaria de Relações Institucionais antes de despachar com um secretário responsável por alguma demanda, algo que não ocorreria em governos passados. O único benefício de compor a base que restava leva ao quarto fator dessa lista.
4. Represálias no Diário Oficial
Se no dia a dia ser um parlamentar de governo ou independente era semelhante, os primeiros ao menos tinham indicações políticas na gestão municipal. Porém, o prefeito foi se mostrando duro no corte de cargos em comissão (CC) conforme o resultado de votações na Câmara.
– É normal ter um projeto rejeitado, voltar, ver onde errou e renegociar com os vereadores ajustes no texto. O IPTU era um projeto bom, mas só foi aprovado depois de três anos graças a esses ajustes. Mas se o prefeito opta sempre pela retaliação como resposta, a cada nova votação a base volta menor – declara um parlamentar da Mesa Diretora.
Um dos problemas apontado pelos vereadores era a falta de critério nesses cortes. Quando bancadas votavam divididas, parlamentares que haviam votado a favor do governo também perdiam seus comissionados. Isso custou ao prefeito o voto de vereadores que raramente polemizavam em plenário. Em 5 de agosto, na votação pela admissibilidade do impeachment, alguns deles votaram contra o governo pela primeira e única vez.
5. Uso da opinião pública
De forma mais explícita no início e mais velada ao final do mandato, vereadores sustentam que a estratégia de Marchezan sempre foi jogar a opinião pública contra a Câmara de Vereadores.
Não foram esquecidos episódios de 2017, como o vídeo sobre um projeto que revogava reajustes automáticos de servidores em que Marchezan se dirige à população dizendo “vamos ver se os vereadores não tão corajosos, com o teu apoio, começam a ter um pouquinho mais de coragem” e a fala em um evento do Movimento Brasil Livre (MBL) em que o prefeito chama parlamentares de um palavrão que também remete à covardia.
– Mudou a forma, mas não o pensamento. Sobre o transporte público, em vez de resolver efetivamente o problema, o prefeito tentou fazer parecer que, se não fossem os vereadores, a passagem (de ônibus) de Porto Alegre seria R$ 2 – declara um parlamentar da oposição.
6. Composição da chapa à reeleição
Mesmo com todos os dissabores ao longo do mandato, as incertezas sobre as pretensões eleitorais de cada partido ainda conservaram algumas legendas ao menos próximas a Marchezan até o último ano de governo.
Mas o próprio prefeito rompeu esses laços ao se dar por satisfeito por ter ao seu lado o PL e o PSL, ex-partido de Jair Bolsonaro inflado pelos bons resultados das últimas eleições, o que lhe garante bom tempo de TV e acesso ao fundo partidário. Sem o “centrão de Porto Alegre”, como os partidos tradicionais passaram a ser chamados à boca pequena na prefeitura, Marchezan viu se proliferarem as pré-candidaturas ao seu atual cargo.
7. Emendas ignoradas
O veto do prefeito a emendas de parlamentares foi uma constante do mandato, mesmo vindas da base governista. Todavia, o último dissabor com a Câmara Municipal foi o prefeito ter ignorado o chamado orçamento impositivo – recurso polêmico que daria a cada vereador o poder de empenhar cerca de R$ 1 milhão dos cofres da prefeitura em emendas a sua escolha.
Depois de dois meses de debate para a composição de 842 emendas ao orçamento do município (quando o normal gira em torno de 130), as propostas foram ignoradas pelo prefeito, para quem o mecanismo “não é o tipo de legado" desejável à cidade. O não empenho das emendas desagradou sobretudo a líderes do PTB, partido com seis parlamentares. Para o impedimento de Marchezan, é preciso ao menos 24 votos favoráveis entre 36 vereadores.