Depois de trabalhar de segunda a sexta-feira como motorista de caminhão em uma empresa, rodando por diversas cidades do Estado, Jorge Luis Lopes da Silva, 59 anos, não usa os finais de semana para descansar. O tempo livre nos sábados e domingos é dividido pelo morador do bairro Mario Quintana, em Porto Alegre, em duas atividades: arrumar cadeiras de rodas danificadas e buscar ou entregar outros equipamentos para quem doa ou quem solicita. Por causa da atividade, ganhou o apelido de Jorge do Bem.
A função, ele conta, começou há mais ou menos três anos, quando Jorge entrou para um grupo de voluntários da Região Metropolitana chamado Amor ao Próximo. O grupo dedica-se a diversas causas. Em uma destas situações, uma pessoa precisava de uma cadeira de rodas — pedido bem comum, segundo ele.
Jorge conseguiu o equipamento, mas percebeu que estava danificado. Antes da doação, então, fez alguns ajustes e entregou a cadeira "recauchutada" ao novo dono.
— Isso começou a acontecer várias vezes. Alguém pedia uma cadeira, eu espalhava o pedido em grupos nas redes sociais, e aparecia uma doação. Mas em 90% das vezes, a cadeira de rodas é usada e tem alguma coisa: ferrugem, peças faltando. E quem precisa, no geral, tem problemas de saúde. Como ela vai arrumar? — diz Jorge.
Foi aí que ele tomou a missão oficialmente para si. Toda vez que depara com uma cadeira em condições precárias, antes de passar adiante, Jorge leva para sua casa. Desmonta, faz a pintura, reforma, ajusta, reforça. Às vezes, em função do tempo curto por causa do seu trabalho, ou pela falta de insumos para as reformas, os equipamentos que necessitam de conserto se acumulam na garagem da família, esperando que Jorge tenha um tempinho para fazer as vezes de mecânico. E garante que nada vai fora:
— Já aconteceu de pessoas encontrarem cadeiras de rodas no lixo. Eu digo: "pode me trazer!". Se não der pra arrumar, uso as peças em outras.
Referência
Com o passar do tempo e o acúmulo de pedidos, ele foi virando uma espécie de referência no assunto:
— Se alguém posta em um grupo que está precisando, logo algum conhecido me marca lá, porque sabe que vou tentar atender. O mesmo quando alguém consegue ficar melhor, não precisa mais da cadeira e decide doar. Vou buscar em vários bairros, até em outras cidades. Não passa um dia sem que eu receba alguma mensagem, seja pedindo, seja doando ou agradecendo.
Com uma rede solidária forte e consolidada — segundo ele, só no ano passado, 200 cadeiras de rodas passaram pelas suas mãos de alguma forma — Jorge também passou a conhecer outras pessoas que fazem o mesmo trabalho, em outras cidades do Estado.—
— A gente se fala, troca peças, busca uma aqui, outra lá, manda um pedido de ajuda, manda uma cadeira reformada. Nossa ideia é sempre ajudar a quem precisa. Minha família já está acostumada, ajuda sempre que pode, apoia o que eu faço. Se precisar, eles vão comigo — diz ele, que mora com a esposa Carmen, a filha Jéssica e o netinho Matheus, cinco anos.
Nem sempre a boa vontade é suficiente para ajustar as cadeiras de rodas. Em alguns casos é preciso comprar peças, a lona que forra os assentos, tinta ou produtos para acabar com a ferrugem. Quando pode, Jorge paga os materiais com o seu dinheiro. Quando o orçamento aperta, recorre novamente à sua maior ferramenta de trabalho: as redes sociais.
— E olha, posso garantir: sempre aparece alguém pra ajudar — conta.
Gratidão de quem recebe
Jorge conta que, infelizmente, nem todas as pessoas que o procuram são bem intencionadas. Algumas, pedem algo alegando ter um parente com necessidades, mas, na verdade, pretendem vender as cadeiras, por exemplo. Por isso, antes da doação, procurar conversar com os interessados. Foi assim que ele conheceu o gesseiro Renato Adriano dos Santos Siqueira, do bairro Jardim Algarve, em Alvorada.
O sogro de Renato, Pedro, 85 anos, tem câncer e se locomove com dificuldade. Para melhorar a qualidade de vida dele, a família passou a buscar uma cadeira de banho.
— Pesquisei e mandei mensagem pra muita gente em busca de uma usada, mas, ainda assim, custava R$ 400, R$ 500. Não ia ser fácil comprar. Até que cheguei no Jorge. Perguntei se ele tinha alguma cadeira para vender por um preço bom — conta Renato.
Depois de algumas perguntas sobre o caso de Pedro, Jorge disse que doaria a cadeira. O genro não conseguiu segurar a emoção:
— Ele falou que a única condição era que a gente devolvesse quando não precisasse mais. Na hora, cheguei até a chorar. Foi uma surpresa. A vida do meu sogro e de toda a família, que se reveza pra cuidar dele, ficou mais fácil agora. Com certeza vamos manter essa corrente e ajudar quando pudermos.
São estes retornos positivos que mantém Jorge do Bem motivado a continuar, apesar de tanto trabalho.
— Eu faço de coração — finaliza.
Quer ajudar?
- Além das cadeiras, Jorge aceita doações da lona específica para forrar os assentos e encostos.
- O telefone dele é (51) 99286-8884