O exercício do professor da rede estadual de ensino ultrapassou o espaço físico das salas de aula. Passados mais de cem dias de suspensão das atividades presenciais, devido à pandemia de coronavírus, o ambiente virtual se tornou uma realidade. Agora, mais do que um trabalho que o aluno leva para fazer em casa, ele enfrenta uma rotina diferente, sem o professor por perto. Além de toda a novidade sobre o sistema remoto, muitos estudantes encaram a falta dos aparelhos que possibilitam o acesso ao conteúdo.
Foi o relato de uma aluna que comoveu as professoras da rede estadual Iara Schmidt Paim Nique da Silva, 49 anos, e Karen Lima, 45 anos. No áudio enviado pelo WhatsApp, a estudante do Ensino Médio relata à professora sua preocupação em ser aprovada, já que não consegue acompanhar os conteúdos devido à falta de um celular só dela. Quando podia, a aluna pegava emprestado o do avô para acessar o Google Class, aplicativo usado pelas escolas estaduais para as aulas online.
Sabendo que esta é a realidade de muitos estudantes, as professoras iniciaram uma campanha para arrecadar celulares, tablets e computadores e doar aos alunos.
– Não esperávamos ficar tanto tempo fora das salas de aula. Recebi mensagens de alunos que me diziam “Sôra, eu não consegui fazer os trabalhos porque não tenho celular”. Aí, lembrei de já ter conseguido outras doações para alunos e que tinha dois celulares em casa, em boas condições para acessar o e-mail e o Google. Partiu daí a ideia de arrecadar os aparelhos – explica Iara, professora das escolas estaduais Danilo Antônio Zaffari e 1º de Maio, na zona norte de Porto Alegre.
A aluna do áudio foi uma das primeiras a receber um celular. Hoje, as doações já ajudaram mais de dez estudantes. Karen explica que elas receberam computadores do Instituto Victória Nahon, que trabalha com assistência social e também se solidarizou com a iniciativa.
Conforme as docentes, mesmo que o governo disponibilize internet para o acesso ao Google Class – para alunos e professores que não têm internet, a Secretaria de Educação do Estado (Seduc) oferecerá o serviço de internet patrocinada, com a disponibilização de dados para o acesso ao conteúdo educacional –, muitos estudantes não utilizarão a plataforma digital pela falta de um aparelho. E foi esse ponto que despertou a preocupação em atender a lacuna da carência de equipamentos.
“Precisava mesmo”, diz aluna
– Começamos espalhando o texto em grupos de WhatsApp da família, do condomínio e de amigos, que enviaram para outros amigos. Tomou uma proporção inesperada. É um trabalho conjunto – relata Karen, professora de Biologia da escola 1º de Maio.
Duas entregas ocorreram ontem de manhã, mesmo debaixo de chuva. As professoras levaram um computador e um tablet para alunas do 2º ano do Ensino Médio da 1º de Maio, ambas da Zona Norte.
– Estou muito feliz porque vou poder fazer as atividades. Não conseguia antes por falta de memória no celular – conta a aluna Luiza Barcelos, 18 anos.
Para a estudante Gabrielly de Campos, 18 anos, que estava usando os celulares dos pais, o tablet ajudará a colocar as aulas em dia:
– Eu precisava muito mesmo, e estou bem feliz. Contava com a ajuda de colegas para ter os arquivos de conteúdo.
“Aguentem firme”, diz Iara
Com 30 anos em sala de aula, Iara leciona, hoje, para alunos do 1º ano do Ensino Fundamental e para o 3º ano do Ensino Médio. Ela é entusiasta dos meios tecnológicos, que podem contribuir para o ensino, e lamenta não terem sido implementados antes de uma emergência.
Para colaborar ainda mais com o acesso do aluno, ela ofereceu ajuda àqueles que tiveram dificuldades em cadastrar o e-mail no Google Class:
– Numa turma com 48 alunos, só sete entraram no sistema. Fiquei pensando no que teria acontecido. Aí, pedi aos alunos, pelo WhatsApp, que quem tivesse problema com o acesso me mandasse o nome e a turma. Veio uma enxurrada de pedidos! Contei com o apoio do meu filho para fazer tudo.
Celulares
A professora destaca que celular e tablet são as melhores opções para os alunos:
– Muitos não têm internet em casa, em função do custo. Por isso, um celular se torna prioridade, pois é mais barato uma recarga para ter os dados móveis e acessar as aulas.
O pequeno Lucas Gabriel da Rosa Gonçalves, seis anos, aluno do 1º ano, foi um dos primeiros a receber a doação de um computador. Animado com o início das aulas, o menino teve a decepção de não poder mais encontrar os colegas e as professoras.
– Ele chegava em casa e tentava me ensinar o que tinha aprendido. Ficou muito chateado em não poder sair de casa. Agora, com o computador, eu procuro vídeos educativos, passo os materiais e ele está achando o máximo – conta a auxiliar de limpeza hospitalar Jessica Ludiane da Rosa, 29 anos, mãe de Lucas.
Além de toda a atenção às doações, Iara tira um tempo do dia para dar aulas de esperança aos alunos:
– Sempre digo que é um milagre quando vejo um estudante que vive em áreas mais humildes chegar ao Ensino Médio. Ainda há aqueles que querem aprender. Por isso, mando mensagens para não desistirem, mesmo sendo complicado. Aguentem firme!
Como ajudar
- Para doar celulares, tablets (ambos aparelhos que têm maior prioridade) e computadores, entre em contato com as professoras por meio do WhatsApp: (51) 99164-4910, com Iara, e (51) 99958-2224, com Karen.