Em poucos dias, a Câmara Municipal deve receber um novo pacote do governo Marchezan de enfrentamento aos problemas causados pela pandemia da covid-19 em Porto Alegre. Entre medidas que abrangem da assistência social à saúde, está uma proposta de geração de receita para o transporte público, que perdeu cerca de 70% dos passageiros ao longo da pandemia. O subsídio viria de uma tarifa para a circulação de carros pelo Centro Histórico.
A ideia é uma reformulação do projeto apresentado em janeiro, que instituiria um pedágio para ingressar de carro na cidade e ainda não foi apreciado pela Câmara. À época, uma das críticas ao texto era de discriminar motoristas de fora da Capital, e uma das sugestões era transformá-lo em uma tarifa específica para regiões mais congestionadas da cidade.
Embora a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) não tenha detalhado o novo projeto após o anúncio do prefeito Nelson Marchezan, a ideia, ao menos em tese, é vista com simpatia por especialistas em transportes, que veem nela uma forma de “taxação de externalidades negativas” pelo uso do carro. Ou seja, uma forma de tributar os próprios motoristas pelos males que o veículo causa à cidade e a seus habitantes.
— O carro gera congestionamento, gera má qualidade do ar que ataca todos os órgãos humanos. Faz todo sentido cobrar as externalidades do automóvel, especialmente em um contexto em que o transporte público precisa de fontes de financiamento para sobreviver — declara Luiz Antonio Lindau, diretor do programa de cidades do WRI no Brasil.
Lindau atenta ainda para o uso do termo “pedágio urbano”, no seu entendimento uma má-tradução e um exemplo de como a questão é tratada equivocadamente no Brasil. Em lugares que aplicaram medidas semelhantes, a cobrança é classificada como “taxa de congestionamento”, justamente para que os motoristas não se sintam onerados, mas sim respondendo a um problema em tempo real.
Não há exemplos de medidas semelhantes em países em desenvolvimento. As referências vêm de Inglaterra, Suécia e Cingapura – país em que o sistema é aprimorado desde a década de 1970 e hoje funciona de forma invisível, com tarifas dinâmicas à semelhança de uma corrida por aplicativo. Para Clarisse Linke, diretora-executiva da ONG Instituto de Políticas de Transportes e Desenvolvimento, a não aplicação em países como o Brasil se dá por falta de vontade política. Ela elogia o pioneirismo de Porto Alegre na discussão. Porém, atenta para problemas da aplicação da medida:
— É preciso cuidado para que isso não gere alguns oásis pela cidade enquanto as periferias se tornam ainda mais degradadas, poluídas e congestionadas.
Embora simpático à medida para redução de congestionamentos, o urbanista Anthony Ling faz ressalvas à simples transferência desses recursos para empresas concessionárias do sistema de ônibus em Porto Alegre:
— Vejo (o pedágio) como uma forma de utilizar melhor os espaços da cidade e uma forma de arrecadação como qualquer outra. Mas quando se fala em gestão, é sempre um problema ter verbas carimbadas. E anunciar que essa verba iria diretamente para empresas que têm um histórico de problemas, de deficiências, talvez possa pegar mal.
De qualquer forma, é uma unanimidade que o problema do transporte público clama por soluções. Em alusão à pandemia da covid-19, Lindau dá o tom da urgência:
— Dizem que o século 21 começou de verdade neste ano. Diante de um problema novo, precisamos de soluções novas. Já será uma vitória se o transporte público sobreviver.
O exemplo sueco
Estocolmo, capital da Suécia, implementou um sistema de cobrança no centro da cidade para coibir congestionamentos em 2006. Durante o primeiro semestre ele foi testado e, em julho, passou por um referendo que aprovou o sistema em definitivo. Está em vigor desde então. Saiba como funciona:
- Antes da implementação, a cidade estendeu linhas de transporte público e instalou estacionamentos perto das entradas da cidade, para quem desejasse circular por lá sem carro. Todos os motoristas suecos receberam, por correspondência, um aviso sobre a implementação do sistema na capital.
- A região pedagiada é monitorada por câmeras em 18 pontos de acesso, que formam um triângulo em torno do Centro. Junto às câmeras, é comunicado o valor da tarifa naquele horário, que varia de 10 coroas (R$ 5,60) a 20 coroas (R$ 11,20), na hora do rush.
- Pela internet, em balcões de atendimento da prefeitura ou lojas de conveniência é possível assinar um contrato e receber em troca um aparelho, que deve ser instalado no interior do carro junto ao para-brisa, próximo ao espelho retrovisor. Ele emite ondas ao passar pelos pontos de monitoramento. Por esse sistema, a tarifa é descontada por débito em conta.
- Quem não tem o aparelho é monitorado pela placa do carro. A tarifa é gerada na madrugada e pode ser paga a partir das 7h do dia seguinte no site do departamento de trânsito, em balcões de atendimento ou em uma rede de lojas de conveniência.
- No início da implementação, a taxa deveria ser paga até cinco dias após a circulação. Passado o período de testes, foi estendida para 14 dias.
- Os motoristas não podem ser tarifados mais de uma vez dentro de 30 minutos, e pagam no máximo 60 coroas por dia de tarifa (R$ 33,50). Ônibus, táxis e ambulâncias são isentos.
- Se o motorista não paga a tarifa no prazo, é emitido um lembrete, enviado por correspondência. Se seguir inadimplente, é emitida uma multa.
- Entre janeiro e maio, período de testes, foram emitidas 10,5 milhões de tarifas. Apenas 99 mil se tornaram multas por não pagamento (0,94%). Os pontos de monitoramento tiveram alívio no tráfego médio de 20%.