O primeiro Augusto – na verdade, August – chegou ao Estado pelo porto de Rio Grande aos 16 anos. Não demorou para contatar o irmão e confirmar que o Brasil era mesmo a terra do futuro, apesar dos sapatos lamentáveis do pessoal. Um especializado em curtume e outro mestre sapateiro, os irmãos Hecktheuer se estabeleceram na Rua Vigário José Inácio, Centro Histórico de Porto Alegre, e abriram a Casa Augusto, loja que na sexta-feira (5) fechará as portas após 138 anos.
Antes que alguém se pergunte, a covid-19 teve pouca relação com a decisão dos irmãos Mônica, Patrícia e Álvaro Augusto (o último Augusto), de não dar seguimento ao estabelecimento administrado por Augusto Eurico Hecktheuer, neto do fundador. A pandemia ajudou, sim, a tornar o final um tanto agridoce, já que Augusto Eurico, aos 91 anos, não pode participar dos últimos momentos da loja – ainda hoje especializada em artigos de couro e sapataria, como graxa, escovas, palmilhas e calçadeiras.
– Me emocionou ver o meu pai assinar com firmeza, com mais de 90 anos, a papelada de encerramento da firma. Encerrar com as próprias mãos o que o avô dele começou – conta Patrícia Hecktheuer, arquiteta e professora universitária que vive em Maceió (AL), mas veio ajudar os irmãos na escrita dos últimos capítulos da loja.
Segundo Patrícia, o avô dela, August Filho, ainda fora alfabetizado em alemão (um caderno de vendas de 1934 escrito em alemão é prova) e cogitava voltar à terra dos antepassados. Mas visitou o país na Olimpíada de 1936 e se assustou com o que viu. De lá mesmo, mandou carta à família dizendo que retornaria ao “Brasil, terra do sol e da alegria”. O filho já teve o nome aportuguesado. Augusto Eurico só visitou a Alemanha depois dos 80 anos.
Destino do ponto é incerto
Ao longo dos 138 anos, a Casa Augusto passou por saques na Segunda Guerra Mundial, quando os donos de traços alemães tinham de se esconder nos fundos. Assistiram à pequena igreja barroca vizinha, de Nossa Senhora do Rosário, ser demolida para dar lugar à atual, muito mais imponente, em 1956. Vivenciaram a decadência do Centro Histórico como bairro residencial, o que levou os Hecktheuer a trocar o andar de cima da loja por outra morada.
O destino da sala comercial, agora, é uma incógnita. O dos funcionários, nem tanto. O mais novo, Lucas Freitas, trabalha há três anos e se prepara para anexar ao currículo a recomendação de um estabelecimento centenário. Marlene de Oliveira, há 28 anos atrás do balcão, já está aposentada e pretende descansar – não sem antes oferecer uma pochete de couro a mais para cada cliente por R$ 5.
José da Rocha, braço direito de Augusto Eurico, é um caso especial. Aos 76 anos, trabalhava há 56 anos no primeiro e único emprego. Coleciona carteiras de trabalho e fichas de registro com um único empregador, só mudam as rugas nas fotos 3 por 4. Ele tem na ponta da língua a data de admissão – 16 de novembro de 1963 – e a primeira providência após a aposentadoria real, já que na carteira de trabalho é aposentado desde 1994:
– Comprei uma bicicleta usada. Estou de mudança para Magistério e vou reaprender a pedalar.