— Botinha da Zona, às suas ordens. Boa tarde! — exclama o senhor de cabelos grisalhos, após estender as mãos trêmulas e puxar o telefone branco da base. Sentado em uma poltrona reclinada, atrás de um balcão em formato de "L", ele é cercado por papéis, caixas de sapato e homenagens que recebeu durante a vida de empresário.
Aos 87 anos, Waldemar Bronzatto decidiu interromper a rotina, adotada há 65 anos, de tomar conta da loja de calçados aberta em 1919, na Avenida da Azenha, em Porto Alegre, e comprada por ele em 1954.
— Eu escolhi sair por cima, sem dever um centavo para ninguém: para funcionário, fornecedor ou para o poder público. Só devo agradecimentos, para Deus e meus clientes — orgulha-se o empresário octogenário, que suportou, em seis décadas, idas e vindas econômicas e nove mudanças na moeda nacional.
A decisão de fechar a loja vinha sendo estudada desde o fim do ano passado. Apesar de se dizer "feliz e realizado" pela trajetória, Bronzatto optou por "pendurar os sapatos" e deve fechar definitivamente o negócio no dia 31 de maio. No mês seguinte, parte em definitivo para Goiânia, terra natal da esposa, Mercedes.
— Desde o fim do ano passado comecei a botar no caderninho os prós e os contras e cheguei à decisão que o bom seria sair agora. Sou um homem feliz por tudo o que fiz, mas chegou a minha vez, a fila anda — conta o empresário, depois de chamar um dos funcionários utilizando a peculiar "campainha": um pedaço de pedra sedimentar que produz um eco seco ao ser batida contra a madeira da bancada.
Os últimos produtos, que são vendidos pela metade do preço, ainda levam movimento ao ponto e exigem a manutenção de quatro empregados para ajudar a manter a loja até os últimos dias. O que restar no estoque até o final do mês será vendido a outras lojas do ramo.
Bronzatto conta que chegou a negociar com quatro empresários a compra da loja, mas não chegou a acordo com nenhum deles. Agora estuda ceder os direitos da marca Botinha da Zona, registrada por ele na década de 1960, já que a única filha, que mora em Florianópolis, não teria tido interesse em seguir com o estabelecimento. O ponto físico, no número 1.175 da Azenha, deve ser alugado.
Apesar da idade avançada, engana- se quem pensa que o empresário vai para de trabalhar: na capital de Goiás, vai se tornar tesoureiro da imobiliária de um cunhado.
— Passei a vida inteira trabalhando, não sou acostumado a ficar parado. Não seria bom para mim.
Inaugurada em novembro de 1919 pela família Lobraico, foi repassada ao proprietário atual 35 anos depois, pelo preço de 1,2 mil contos, pagos de forma parcelada. O estabelecimento foi batizado assim em razão de um par de botinhas de gaita que ficava pendurado no local.
Com centenas de caixas de sapatos expostas, malas e mochilas penduradas e acessórios como cintos e bolsas tomando os cantos do espaço, a Botinha da Zona sempre apostou na fidelização do cliente para se manter competitiva.
A grande peculiaridade da loja é o Kichute (um tênis com travas, popular nas décadas de 1970 e 1980) que fica em cima do balcão de atendimento. Segundo o proprietário, o calçado está na Botinha da Zona há mais de 25 anos e faz parte da última carga recebida.
– Esse Kichute eu vou levar comigo para Goiás, de lembrança, com uma bandeira do Rio Grande para deixar na janela durante a Semana Farroupilha.