Ao abrir a porta de casa, no bairro Teresópolis, zona sul de Porto Alegre, o aposentado Harry Ibé da Silveira Filho, 65 anos, foi direto para o interruptor que aciona a lâmpada da cozinha. Após se desculpar pelo ato falho, apontou para a pia: pedaços de peixe, pizza ainda embalada, frango e carne moída. Tudo vai para o lixo, 36 horas após a geladeira da residência desligar devido à falta de energia elétrica.
— Acordei às 5h para limpar, estava até o chão com água do freezer — lamenta.
No refrigerador, sobraram apenas duas garrafas de água, pimenta e um tubo de cola de alta precisão. Potes onde o aposentado conservava molhos e feijão congelado estão limpos — o conteúdo também havia sido descartado na manhã desta sexta-feira (17), quando a água voltou às torneiras.
— Eu ia para praia, mas sem luz e sem água não dava para deixar tudo abandonado, estragando. Limpei as coisas e agora vou fechar a casa de novo.
No corredor do prédio de Harry, um vizinho carregava quatro sacos de lixo repletos de alimentos. Todos estragados.
— É brabo. Estou saindo pro trabalho e já descendo com o lixo para não ficar fedendo —conta o porteiro Tiago Mendes dos Santos, 40 anos.
Medicamentos também correm risco de descarte
Também no bairro Teresópolis, a aposentada Maria Alice Moraes Kiraly, 67 anos, teme perder o colírio usado para o tratamento de um glaucoma. São R$ 150 gastos todos os meses no produto.
— Liguei pra CEEE e disse que, se não refrigerar, eu posso perder o colírio. A atendente me pediu compreensão. Mais compreensão do que eu já estou tendo? Quem vai pagar meu prejuízo? — questiona.
Uma família da Vila Nova precisou organizar um mutirão para manter em dia a insulina da avó. Raquel Pires Lerner, 71 anos, usa a medicação para controlar o diabetes há mais de duas décadas. De acordo com o marido dela, Zoffi Lerner, 71, o estoque foi levado a casa da filha, e uma nova dose é buscada a cada turno.
— O problema é que a insulina só pode ficar duas horas fora da refrigeração. Minha esposa fez a injeção, e o resto foi fora — explica.
Se a energia não retornar a Rua Ângelo Passuelo, o sindicalista será forçado a repetir o desperdício:
— Não vou deixar ela tomar a medicação fora do gelo. Se até o meio-dia continuar sem luz, ela vai aplicar e, de novo, colocar o que sobrar no vidro fora — lamenta.
Conforme o último balanço da CEEE, divulgado na manhã desta sexta-feira, Porto Alegre ainda tem 20 mil clientes sem luz — quase 40 horas após a tempestade de quarta. A expectativa da companhia é normalizar a situação "no decorrer do dia".