Após a a reportagem que mostrou a situação de 20 obras paradas em Porto Alegre e em outras cinco cidades da Região Metropolitana, técnicos de órgãos de controle, entidade do setor da construção, e um representante do governo federal dão a receita de como não desperdiçar dinheiro público em obras que não acabam.
Uma auditoria divulgada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 15 de maio, que revelou que 37,5% das obras financiadas com recursos da União estão paradas ou inacabadas no Brasil, mostra que quase metade dessas construções (47%) foram paralisadas por problemas técnicos que poderiam ter sido previstos em projetos mais bem elaborados.
— Estudos muito simples podem prever uma série de problemas que aparecem depois. Temos engenharia para fazer projetos de qualidade, o que falta é planejamento — avalia o coordenador-geral da área de infraestrutura do Tribunal de Contas da União (TCU), Nicola Khoury.
A auditora pública externa do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Andrea Mallmann, lembra que, muitas vezes, a forma como os recursos são destinados acaba por atropelar a fase de planejamento. Há casos em que convênios e financiamentos têm prazos de execução que comprometem a organização: o período de inscrição é curto, e a programação é feita sem o nível de detalhamento adequado. E mesmo após a aprovação, não se consegue mais tempo hábil para qualificar o projeto final. Assim, se acaba licitando uma obra com estudos inadequados. E durante toda a execução da obra também é necessário que técnicos qualificados fiscalizem se o trabalho está sendo feito conforme o planejado.
Outros especialistas explicam que o segredo está no trabalho que antecede o começo da construção em si. Na avaliação da auditora pública externa do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Andrea Mallmann, grande parte dos problemas nessa área, e que ocorrem no país inteiro, passa pela falta de programação adequada:
— No Brasil, não se reconhece a importância de um bom planejamento, se procura sempre fazer o projeto o mais rápido possível, por vezes, inclusive, para garantir logo os recursos, sem fazer uma série de estudos preliminares que são necessários.
Foco no projeto
Entre os levantamentos prévios importantes estão estudos de solo, impacto ambiental, licenciamento ambiental e avaliação de desapropriação de imóvel. Em muitos casos, ocorrem problemas na obra que poderiam ter sido identificados já fase de projeto, evitando que haja revisão de custo. Com mais tempo investido em planejamento, se economiza na execução, defende Andrea:
— Se cálculo da obra não está bem feito antes da licitação, e o projeto bem detalhado, o risco do orçamento deixar de prever algo é muito maior.
Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Carlos Martins, o projeto malfeito escara a possibilidade de corrupção, pois surge a necessidade de aditivos no contrato, de mudanças no projeto, atrasos e, finalmente, a paralisação:
— É um problema cultural: inaugurar dá voto, mas começar um projeto bem feito, não dá.
Para que o setor público não fique na mão de empresas com limitada capacidade financeira de conclusão a obra — o que é uma das causas mais comuns de interrupção de construções — o edital de licitação, além de prever o valor do orçamento, deve exigir um nível mínimo de experiência da empresa para garantir qualidade e a conclusão do que foi contratado.
— O edital precisa dosar exigências para garantir, ao mesmo tempo, ampla concorrência e a atração de empresas sólidas e reconhecidas — considera Nicola Khoury, do TCU.
O secretário de coordenação de Obras Estratégicas e Fomento, setor ligado à Secretaria de Governo da Presidência da República, José Carlos Medaglia Filho, defende que a dificuldade de repasse de recursos para uma construção pública não é o elemento central que emperra uma obra. Segundo ele, outros fatores são determinantes: problemas na licitação, licenciamentos e contrapartida financeira local. Para Medaglia Filho, a troca de administração e a mudança de interesse dos gestores também podem influenciar em alguns casos.
— Nossa experiência mostra que um empreendimento que tiver um projeto bem elaborado, uma licitação bem feita, e todas as licenças obtidas antecipadamente, é uma obra que tende a ter início, meio e fim. Na época das obras (citadas pela reportagem), o governo federal disponibilizou recursos, que foram depositados na conta dos municípios e liberados conforme o andamento da obra. Deixaram de ser liberados porque muitos empreendimentos pararam.
Segundo Medaglia Filho, existem mecanismos à disposição do setor público, ainda pouco praticados no Brasil, mas já usados com êxito no Exterior, como contratação de seguro para a conclusão da obra e a exigência de depósito prévio de recursos por parte das empresas:
— Em outros países, isso funciona muito bem, mas aqui, usualmente, se faz pouco, que é contratar um seguro para o caso de a empresa não cumprir a parte no contrato. Normalmente, seguramos apenas uma parcela pequena (entre 10% e 15% da obra), que não cobre toda a obra e a torna ainda mais cara.
Para o recomeço, é preciso recursos
A retomada de uma obra parada é o momento de refazer o planejamento que deveria ter sido feito antes de a obra começar, sustenta a auditora externa do TCE Andrea Mallmann.
— O primeiro passo ao recomeçar é garantir que há recurso para terminar. Em caso de nova licitação, é preciso fazer um bom projeto e um bom orçamento de tudo que ficou para trás. No Japão, a fase de planejamento é maior do que a execução. Há um custo maior, mas a execução não tem acréscimo representativo porque tudo já foi orçado na origem —exemplifica ela.
Para retomar a obra parada, Medaglia afirma que é necessário revisar de forma detalhada o projeto para então abrir uma nova licitação. Ele aponta que, em alguns casos, é necessário diminuir o escopo da construção — simplificá-la — para se adequar aos recursos. Caso não seja possível captar verba pública, uma possibilidade, segundo ele, é buscar uma parceria público-privada (PPP), fazendo concessão daquele espaço ao setor privado.
À frente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Carlos Martins sugere que se faça um chamamento público para entidades ou organizações interessadas em concluir as obras de creches e postos de saúde. Em contrapartida, teriam um período de concessão para uso do imóvel.
— O setor público não tem dinheiro para terminar nem para operar muitos desses espaços. Se um ente privado operar, terá um custo muito menor e aquilo ficará de pé, atendendo a população. O que tem que haver é vontade política para levar em frente o projeto.
Em Esteio, prefeitura assumiu creche abandonada
Em Esteio, a prefeitura seguiu parte dos passos considerados fundamentais pelos especialistas ouvidos por GaúchaZH: assumiu, em 2017, a obra abandonada da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Professora Denise Finger Bortolini, no bairro Olímpica. Refez o projeto e adequou o método construtivo à realidade da obra e das possibilidades de mercado. A partir disso, utilizou recursos do município para complementar o valor necessário e, só então, encaminhou nova licitação.
A creche teve custo total de R$ 2,6 milhões, dos quais R$ 1,1 milhão foram pagos pela prefeitura de Esteio, o que equivale a 42% do valor. A unidade será inaugurada nesta quinta (30), com capacidade para atender 240 crianças, 120 por turno. A construção começou em 2014, foi abandonada em meados de 2016, quando a empresa responsável pela obra decretou falência, com 40% do projeto executado.