Nas últimas três semanas, GaúchaZH selecionou 20 obras em Porto Alegre, em Guaíba, em Cachoeirinha, em Gravataí, em Alvorada e em Viamão que se encaixassem na situação de construção pública inacabada. A reportagem verificou a situação de cada uma delas (confira abaixo) e conversou com pessoas que têm as vidas afetadas por promessas nunca cumpridas. O diagnóstico é que as comunidades vizinhas aos empreendimentos se sentem enganadas por não poderem utilizar os serviços desses prédios abandonados.
Juntas, as duas dezenas de obras paradas deixam de atender 39 mil pessoas.
Na Vila Anair, em Cachoeirinha, Nataly Borba Miranda, 12 anos, anda de patins em uma pista que era para ser um ginásio de esportes.
Patinar pelas estruturas da construção inacabada do Centro de Artes e Esportes Unificados (CEUS), onde foram investidos R$ 600 mil em uma obra que avançou 52%, é o único passatempo da jovem nas redondezas de casa. A avó da menina, a aposentada Célia Alves, 66 anos, não se conforma:
– Já chamei político, vereador e prefeito e ninguém resolve. Ninguém tá nem aí. Antes da obra, era um campo de futebol para a comunidade. Agora, com tudo parado, virou ponto de prostituição, consumo de drogas, tudo de ruim. Fiquei feliz da vida quando anunciaram, disseram que teria biblioteca e até sala de cinema. Me sinto enganada.
Com uma filha de nove meses em casa, o cozinheiro Henrique Franco, 33 anos, se revolta ao ver que as obras da Escola de Educação Infantil Favo de Mel, no Bairro Natal, em Gravataí, que seria construída em terreno bem em frente ao local em que mora, não passaram do alicerce.
A obra parou em fevereiro de 2018 com 9,65% de avanço.
– É revoltante ter criança pequena em casa e ver essa obra parada. Nem tenho esperança que ela retome. Obra inacabada revolta muito porque a gente sabe que é nosso dinheiro que está sendo mal empregado.
Na zona sul de Porto Alegre, a situação é parecida, não fosse o fato da obra da Creche Moradas da Hípicas estar 60% pronta e parada desde 2016. Foram R$ 598 mil já investidos.
O presidente da Associação dos Moradores dos Campos de Ipanema, Leandro Coimbra, 42 anos, explica que pelo menos 60 famílias das redondezas têm crianças que aguardam matrícula nessa escola:
– Acompanhamos desde que começaram a limpar o terreno. Foi feita uma obra gigante para nada. Começou quando meu filho mais velho estava nascendo. Hoje ele já está na escola e nunca conseguiu aproveitar essa creche.
Em Viamão, no bairro Jardim Krahe, a obra não só ficou pela metade como também virou um problema. O prédio foi erguido num campo que servia como área de lazer para a comunidade.
Com a obra abandonada desde o final de 2017, o local virou um ponto perigoso, especialmente à noite:
– Esse sempre foi um local em que as pessoas tomavam chimarrão e caminhavam. Acabamos ficando sem a creche e sem nossa praça – afirma a confeiteira Anelise Pacheco, 32 anos.
Imagine precisar pegar ônibus para ir até o posto de saúde mais perto, sendo que não há outra opção em seu bairro, sendo que em frente a sua casa há a obra parada de uma Unidade Básica de Saúde (UBS).
É o que enfrenta a motorista de aplicativo Evanilda da Silva, 44 anos, quando precisa de serviços médicos. Os trabalhos da UBS São Vicente foram interrompidos em março deste ano porque a empresa não cumpriu os prazos contratuais.
A estrutura está 61% pronta e, quando concluída, terá quatro Estratégias de Saúde da Família (ESFs) com capacidade para atender, ao todo, 12 mil usuários.
– Quando a obra começou, fiquei muito feliz que teria um posto de saúde na porta de casa. O mais próximo fica a três quilômetros, na UBS São Geraldo. Sinto uma raiva porque gastam o nosso dinheiro e não terminam a obra – desabafa Evanilda.