Entre os números que chamam a atenção no levantamento da prefeitura sobre as obras da Copa, estão as 216 notificações (somadas as de obras já concluídas) do Tribunal de Contas do Estado (TCE), órgão responsável por acompanhar a boa aplicação de recursos públicos nos empreendimentos. Procurada por GaúchaZH, a área técnica do tribunal destaca que o número não corresponde necessariamente às irregularidades em cada projeto. Tratam-se de "manifestações técnicas", que podem também ser, por exemplo, pedidos periódicos de informações ou agrupamentos de documentos.
As obras da Copa tiveram um rito de exceção na Corte. Via de regra, o TCE atua a posteriori, debruçando-se sobre as contas das obras públicas depois de executadas. Para o Mundial, uma resolução de 2010 determinou que o acompanhamento fosse feito de forma periódica desde a etapa dos projetos e licitações. Por isso, também, o número de notificações na casa das centenas.
Embora a demora para a conclusão das obras incomode, o tribunal destaca a ausência de denúncias de desvio ou qualquer outro episódio de corrupção, muito em razão das rédeas curtas do tribunal.
O acompanhamento de lupa desde o início dos empreendimentos também evidenciou, na visão da Corte, o quão falhos eram os planos quando apresentados. Em que pese fatores como a crise econômica e o número exagerado de execuções almejadas pela administração municipal à época, a precariedade dos projetos é apontada como a principal causa das múltiplas notificações, aditivos e, consequentemente, no lento andamento das obras.
— No Brasil, se dá pouca importância à fase de planejamento. Quanto mais detalhado um projeto, menor o potencial de problemas de execução, pois se anteveem problemas e recursos são resguardados. No caso de Porto Alegre, observe que as obras todas já faziam parte do Plano Diretor da cidade. Não seria necessário correr atrás de projetos para a Copa do Mundo se elas já estivessem planejadas para quando houvesse recursos. A questão toda é qualificar os projetos de expansão da cidade — avalia uma técnica do TCE que pediu para não ser identificada.
O caso gaúcho é emblemático. Para pleitear financiamento na ordem de R$ 560 milhões junto à Caixa Federal, a prefeitura fez uso de projetos doados por escritórios de engenharia em parceria com sindicatos. De acordo com o TCE, o que deveriam ser projetos executivos, com alto grau de detalhamento, revelaram-se planos abaixo do nível básico, praticamente anteprojetos.
Conforme saíram da prancheta, serviços que deveriam ter sido previstos surgiram, demandando realocação de recursos e aditivos contratuais, parte deles questionados pela financiadora, a Caixa Federal. Em meio à burocracia dessas mudanças contratuais, as obras correram orçadas a partir de uma data-base. Ao longo dos anos, esse valor é reajustado por lei e os recursos se esvaem. Forma-se a bola de neve e o atraso nos canteiros se alastraram.
Ainda assim, o tribunal calcula que, sem os apontamentos, o desperdício poderia ser até R$ 50 milhões superior. O corpo técnico do tribunal, no entanto, elogia os esforços da prefeitura em repensar soluções para as obras em andamento e realocar recursos destinados a obras que não saíram do papel, como a dos BRTs. Um paliativo diante de um conjunto de obras maior do que a capacidade de execução e fiscalização do município.
— Com maior detalhamento, talvez ficasse evidente que algumas obras não poderiam ser executadas. Mas não sei se isso era completamente desconhecido pela prefeitura. Talvez tenha sido uma decisão deliberada de garantir o recurso, mesmo que a viabilidade da obra não fosse garantida. Enfim, uma decisão política. Sem o juízo de valor se ele deveria ou não ter sido dado, fato é que foi um passo maior do que a perna — conclui a técnica.