Uma proposta polêmica e que é desconhecida por boa parte dos moradores de Porto Alegre diretamente atingidos volta a votação a partir das 14h desta segunda-feira (20), na Câmara de Vereadores, provavelmente em sua sessão definitiva. O projeto de lei do Executivo (PLE) 7/2018 dispõe sobre a Proteção do Patrimônio Cultural de Bens Imóveis do Município de Porto Alegre por Meio do Inventário. Embasam a argumentação da prefeitura municipal para a aprovação do texto as justificativas de que serão estabelecidos critérios mais objetivos para classificar imóveis, alinhados às diretrizes do Plano Diretor, e se evitará abandono de edificações que afetam negativamente a paisagem urbana.
O PLE regulamenta práticas já adotadas por órgãos como a Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc), ligada à Secretaria Municipal da Cultura. Moradores se mostram insatisfeitos e revoltados com os entraves que as qualificações impostas pela administração municipal representam no dia a dia – para uma simples reforma ou interferência na fachada, fica-se à mercê de trâmites burocráticos que podem se tornar demorados e dispendiosos.
Capital conta com 5,5 mil estruturas inventariadas
Atualmente, existem na Capital mais de 5,5 mil estruturas inventariadas, que se subdividem nas categorias de imóveis em estruturação e imóveis de compatibilização – as primeiras são aquelas que, de fato, precisam, segundo a prefeitura, de proteção especial, enquanto no segundo grupo estão as que apenas compõem o ambiente onde está localizado o imóvel protegido (ao lado ou nos fundos, por exemplo). Construções tombadas ficam de fora dessa discussão.
Presidente da Associação dos Moradores do Bairro Petrópolis Atingidos pelo Inventariamento da Prefeitura (Amai Petrópolis), Márcio Divino vem se dedicando com afinco, e de forma voluntária, ao tema. O advogado se queixa da falta de participação popular no processo e da ausência de transparência para a escolha dos imóveis a integrar o inventário – há construções novas e antiquíssimas inventariadas ou casos como os de imóveis equivalentes, em características e localização, em que apenas um foi listado, e o outro não.
O presidente da entidade cita a própria situação. Morador de um edifício de seis apartamentos na Rua Professor Ivo Corseuil, ele e seus vizinhos tiveram suspensos os planos de promover uma renovação da fachada. Parte do dinheiro já havia sido levantada quando, em 2014, Divino foi surpreendido por um comunicado. Os planos de intervenção no prédio foram abandonados diante do risco de aplicação de uma multa que alcançava a cifra dos milhões. Foi aí que nasceu a Amai.
– Qual a relevância do meu imóvel para entrar nessa lista? – indigna-se Divino, que não pôde ter o prédio reformado e agora ainda tem de encarar pichações feitas posteriormente na parede. – Os critérios não são claros. Sou inquilino do meu imóvel e quem é o dono é a prefeitura – reclama.
Reforma de fachada deve passar pela EPAHC
Na prática, se o dono de um imóvel inventariado quiser fazer uma reforma na fachada, é preciso que um arquiteto ou engenheiro produza um laudo. O documento deve ser apresentado então à Epahc, que vai analisá-lo – o prazo para a resposta final pode demorar, entre idas e vindas de documentação e pedidos de adendos. Se a intervenção for autorizada, o proprietário é orientado a procurar profissionais especializados cadastrados junto ao setor.
– Fico refém do preço e do prazo que eles vão me dar – contesta o presidente da Amai Petrópolis.
Em texto publicado no Segundo Caderno de Zero Hora desta segunda-feira, a escritora Cíntia Moscovich, residente em uma casa no bairro Moinhos de Vento também se manifesta contra o projeto. “(...) O sistema que está em vigor desde 1999 e que tem resultado em inconstitucionalidades ao borrar o direito dos proprietários, tornando-se o suprassumo da arbitrariedade ao jogar no colo desses mesmos proprietários a responsabilidade por algo que seria encargo do poder público – se esses imóveis são patrimônio da coletividade e se a manutenção dos mesmos só pode se dar por especialistas autorizados que cobram o ouro da Espanha, que as despesas de conservação também sejam rateadas com o erário. (Minha casa, minhas regras. Regras do prefeito, conta do prefeito.)”, escreve Cíntia.
Líder do governo admite que número de imóveis é alto
O vereador Mauro Pinheiro (Rede), líder do governo na Câmara, diz que grande parte dos legisladores municipais concorda que a quantidade de imóveis inventariados é muito alta. Se o PLE for aprovado, passam a valer cinco instâncias de avaliação, e uma edificação será listada caso se encaixe em pelo menos três delas: instância histórica ou simbólica (significado que o imóvel representa para os cidadãos), morfológica (singularidade, representatividade e expressividade), técnica (processo construtivo), paisagística (interação do bem cultural no seu contexto urbano) e de conjunto (aspecto de repetição do bem cultural, criando um conjunto de três ou mais edificações justapostas).
– Estamos com muito imóvel inventariado para Porto Alegre – admite Pinheiro.
Segundo o vereador, caso o texto vire lei, os proprietários que discordarem da presença de seus imóveis na lista de inventários podem solicitar uma revisão, e a Epahc terá um prazo para responder a essas demandas. Quem perder a classificação de dono de imóvel inventariado estará livre das regras específicas da categoria, e todos os que permanecerem, garante Mauro, ganharão um incentivo da prefeitura, por meio de índices construtivos (permissão para construir mais do que o preestabelecido para um terreno, benefício a ser utilizado em outros imóveis ou negociações).
– Quem tem de arcar com o ônus da preservação é a cidade. Não pode o dono do imóvel ficar responsável pela manutenção sozinho – afirma o vereador.
Diante da argumentação da prefeitura, de que o novo texto permitirá organizar o que está pouco ou nada claro na legislação, o presidente da Amai se mostra descrente.
– Esse inventário vai continuar crescendo. Isso jamais vai acabar. Daqui a 50 anos, esquece. Porto Alegre vai ser engessada. Mude-se para outro lugar – lamenta Divino.