Conhecido como solo criado, o ato de comprar da prefeitura a permissão para construir mais do que o preestabelecido para um terreno terá novas regras em Porto Alegre. O prefeito Nelson Marchezan deve sancionar nos próximos dias a lei que regulamenta a "outorga onerosa do direito de construir", um sinônimo para o solo criado estabelecido pelo Estatuto das Cidades.
As principais interessadas na alteração são as construtoras que necessitam comprar índices construtivos para viabilizar seus projetos. Um exemplo é empreendimento da Rotta Ely na Avenida Protásio Alves. Inconformados com a impossibilidade de adquirir os 700 metros quadrados determinantes para a obra diretamente da prefeitura — o limite legal na época era de 300 metros quadrados —, os empreendedores entraram com processo administrativo na prefeitura no início de 2017. A compra estava prevista no plano diretor, mas teria de ser feita em leilões ou diretamente com outros proprietários, o que torna o processo mais oneroso e demorado.
A tramitação foi paralisada à época em que o projeto de lei prestes a ser sancionado foi enviado à Câmara, no segundo semestre daquele ano. Na expectativa de que o novo regramento fosse aprovado rapidamente, resolveram aguardar. Mas, em abril de 2018, sem sequer o projeto ter ido à votação, desistiram de tentar a compra em balcão para viabilizar o residencial Home Gallery.
— A ideia, na época, era fazer uma provocação, já que essa possibilidade estava prevista no plano diretor. Mas, quando fechou um ano sem uma sinalização realista e otimista de que a lei seria aprovada, fomos a mercado — conta a gerente de incorporação da construtora, Lisandra Thiel.
Nos meses que se seguiram, a construtora buscou índices de terceiros, uma possibilidade prevista pela prefeitura para a aquisição de solo criado. Como pertencem a pessoas físicas e jurídicas, no entanto, esse tipo de compra costuma sair mais caro do que aquela feita do poder público, cujos valores são padronizados. Também é mais trabalhosa, já que nem sempre é possível conseguir o índice necessário com um único vendedor, e, diferentemente da negociação com o poder público, o valor não é revertido para melhorias na cidade.
No caso da Rotta Ely, a meta foi atingida meses depois, e o projeto, aprovado em outubro, foi lançado no fim do ano passado. Não foi o único em que a construtora foi vencida pelo cansaço. Outro processo para aquisição menor (cerca de 500 metros quadrados) protocolado na mesma época foi abandonado em agosto, quando novamente a opção foi por comprar a diferença em mercado.
— Foi uma pena que a aprovação da lei não saiu em tempo. Mas foi importante para os empreendimentos e a cidade como um todo. Resolve o problema de compra de índices para empreendimentos que não são tão grandes — diz Lisandra.
O que muda com as novas regras
Compra de índices maiores no balcão
Atualmente, somente o solo criado de até 300 metros quadrados, considerado de pequeno adensamento, pode ser comprado no balcão, ou seja, diretamente com a prefeitura. A nova lei expande os índices chamados de médio adensamento, entre 300 e mil metros quadrados. Acima de mil metros quadrados, nada muda: a compra seguirá viabilizada por meio de leilão anual. Esse é um dos pontos que deve mostrar maior impacto prático na cidade porque deve facilitar o processo de compra de índices para empreendedores que antes estavam condicionados ao leilão, onde o preço do metro quadrado costuma variar.
Pagamento com contrapartidas
A nova legislação permitirá que o pagamento do solo criado seja feito não apenas em dinheiro, mas em contrapartidas. Desse modo, será possível que quem adquire índices construtivos possa ressarcir a prefeitura realizando uma obra no mesmo valor. Serão permitidas obras vinculadas a projetos habitacionais, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes, e outras previstas no artigo 26 do Estatuto das Cidades. A prefeitura acredita que a medida ajudará a destravar obras necessárias ao município, uma vez que trabalhos executados por pessoas físicas e pela iniciativa privada enfrentam menos burocracia do que aqueles contratados pelo poder público.
Fundo destinará recursos para obras
Antes destinados ao Fundo Municipal Pró-Mobilidade, recursos da venda de índices construtivos de terrenos de médio e grande adensamento agora irão para o Fundo de Gestão de Território. Mais abrangente do que o antigo fundo, voltado ao sistema viário, o novo prevê investimentos em obras de infraestrutura, aquisição e desapropriação de terrenos, instalação de equipamentos públicos, como praças e parques, e para a preservação de bens tombados e inventariados. Os recursos obtidos através da venda em balcão para os terrenos com menos de 300 metros quadrados continuarão sendo encaminhados para o Fundo de Habitação Social, como ocorre hoje.
Criação do Fator de Planejamento
O valor do metro quadrado, que hoje varia entre cerca de R$ 200 e R$ 2 mil em diferentes partes da cidade, pode facilitar ou dificultar o adensamento de uma região. Para que a prefeitura possa ter maior ingerência sobre esse cálculo, a nova lei acrescenta uma variável chamada de Fator de Planejamento. Ela prevê que, em alguns casos, o poder público aumente ou diminua o valor do metro quadrado em uma região predeterminada para estimular ou desestimular - dependendo da infraestrutura disponível - a ocupação de diferentes áreas da Capital. A aplicação do multiplicador, que pode variar entre zero e 1.3, poderá ser feita por decreto ou projeto de lei - nesse caso, terá de ser aprovada na Câmara Municipal.