Sem regramento desde a revogação da antiga lei, no começo deste ano, a preservação do patrimônio histórico de Porto Alegre deve ser discutida na Câmara Municipal nos próximos meses. O Executivo protocolou em junho um projeto de lei que regulamenta a inclusão de imóveis no inventário municipal. A proposta estipula, entre outras coisas, a realização de um estudo prévio para que unidades integrem essa lista, a transferência do potencial construtivo de imóveis protegidos para outras construções, alturas maiores para edificações vizinhas aos prédios históricos e o desbloqueio de imóveis que estavam em processo de licenciamento de nova edificação quando foram protegidos.
— Não existe nenhuma lei em vigor atualmente que estipule regras para a proteção de imóveis. Isso foi algo que o prefeito nos pediu: uma lei que tenha critérios para que se identifique o imóvel como patrimônio — disse o procurador-geral adjunto, Nelson Marisco.
Caso a lei seja aprovada, os imóveis terão de passar por um estudo realizado pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) a atender a uma série de critérios para serem inseridos no inventário municipal. As regras também valerão para os mais de 6 mil imóveis atualmente protegidos pelo poder público: os proprietários poderão solicitar o estudo à prefeitura, que terá um prazo estipulado para concluir a análise e dizer se há interesse em proteger ou não a edificação — caso o prazo não seja cumprido, o imóvel será imediatamente desbloqueado pelo período de 48 meses.
Uma das mudanças mais significativas previstas pelo documento diz respeito aos chamados inventariados de compatibilização, prédios sem valor histórico vizinhos aos que são alvo de preservação (os chamados inventariados de estruturação, que não podem ser demolidos). Enquanto a legislação em vigor até o começo do ano autorizava sua demolição, mas restringia a altura da nova edificação à do patrimônio histórico do qual era vizinha, a nova regra permite que os imóveis construídos nessas áreas sejam maiores do que os protegidos. Segundo a prefeitura, a alteração é "uma questão de sustentabilidade":
— Entendemos que isso (a limitação) era efetivamente uma agressão ao direito de propriedade. Isso causa um impacto grande para os proprietários. A mudança foi pensando em uma forma de manter os inventariados que entendemos que seria possível — explica o procurador-geral adjunto.
Na linha dos incentivos a proprietários de bens protegidos pelo município, o texto prevê, ainda, a possibilidade de transferência de índice construtivo do imóvel inventariado de estruturação para outra área na mesma região. Por exemplo: se o potencial construtivo do imóvel preservado era de mil metros quadrados, o proprietário terá direito a construir esse valor em outro terreno na mesma região ou vendê-lo a terceiros — medidas semelhantes chegaram a ser previstas por leis anteriores, mas por entraves jurídicos nunca foram postas em prática.
Outro ponto previsto pela nova lei deve atacar um dos problemas decorrentes do controverso Inventário do Petrópolis, alvo de debates acirrados entre prefeitura, vereadores e comunidade durante gestão do prefeito José Fortunati. Sem critérios claros, o documento bloqueou mais de 500 imóveis do bairro, despertando a ira de parte dos proprietários, que entraram na Justiça solicitando o desbloqueio de suas propriedades. Para resguardar a prefeitura das ações judiciais, o projeto do Executivo prevê que os imóveis que tinham projetos aprovados ou Estudos de Viabilidade Urbanística (EVU) em tramitação à época da inclusão no inventário sejam excluídos do documento.
— Esse inventário causou uma série de ações judiciais contra a prefeitura, por conta da segurança jurídica: não existia nada prévio dizendo que aquele imóvel faria parte do inventário. Para regularizar situações que ficaram pendentes, buscamos essa solução _ conta Marisco.
Atualmente, a Capital conta com mais de 6 mil imóveis protegidos pelo poder público. Apesar disso, a cidade está longe de ser um exemplo de preservação do patrimônio: boa parte desse contingente nunca recebeu os devidos cuidados, e os imóveis em ruínas multiplicam-se a cada ano. Reclamando a desvalorização de seus imóveis e a falta de incentivo do poder público, muitos proprietários deixaram as edificações em estado de abandono — como no caso da Casa Azul (esquina da Riachuelo com a Marechal Floriano), que, em meio a uma batalha judicial entre prefeitura e proprietários, tornou-se um risco à circulação no Centro Histórico após quase duas décadas de descaso —, e a prefeitura pouco fez para que a proteção fosse efetivada.
O projeto de lei do inventário, no entanto, não deve chegar às mãos dos vereadores tão cedo: em junho, a pauta da Câmara foi trancada por tempo indeterminado até que sejam apreciados projetos de lei do Executivo protocolados em regime de urgência. A votação do pacote, que inclui temas polêmicos, como a atualização da planta de valores do IPTU e a revisão de benefícios do funcionalismo, é prioridade na volta do recesso legislativo, no início de agosto.