Quando bem conservadas, construções históricas chamam a atenção não apenas pela beleza que trazem às ruas onde estão localizadas, mas também pela memória afetiva que despertam. Na terça-feira, Zero Hora questionou o descuido com importantes prédios históricos e retratou a série de motivos que os levam a ruir em pleno centro de Porto Alegre. A seguir, seguem três exemplos de como é possível preservar o valor cultural e arquitetônico da cidade.
Prédios históricos sofrem com o descaso no centro de Porto Alegre
Uma das casas que mantêm a arquitetura original e sua história está na Rua Fernando Machado. Entre os sobrados geminados que formam o antigo casario do renomado comerciante Antônio Chaves Barcellos Filho, um esconde bem os quase cem anos que tem.
Quando ZH bateu à porta do número 506, uma construção amarela, de três andares, duas jovens atenderam. E logo mandaram entrar. Elas estão acostumadas com visitas de curiosos, estudantes de arquitetura e interessados pela história. Mas nem sempre foi assim. Clarissa Rossarola, 35 anos, lembra o que sentiu há mais de duas décadas, quando, com a mãe e a irmã, deixou Caxias do Sul para morar "naquela casa velha".
- Chorei assim que entrei. Imagina abrir a porta e ver tudo destruído, caindo aos pedaços, com roupas de antigos moradores penduradas por todo canto. Enquanto eu me desesperava, minha mãe, que é artista plástica, olhava para a estrutura e se animava imaginando como tudo ficaria - recorda Clarissa.
Clique nos pontos para ver fotos de parte dos imóveis históricos do Centro:
Na época, a casa foi adquirida pelo preço de um apartamento pequeno de dois dormitórios, sem garagem. Após uma reforma simples, ficou "um pouco mais habitável". Em 2007, antenada nos programas para a preservação do patrimônio histórico da cidade, a família participou do edital do Projeto Monumenta - com recursos do Ministério da Cultura e contrapartida da prefeitura - e entrou na lista dos 15 proprietários particulares selecionados. O plano da restauração foi feito pela arquiteta Marielen de Costa, 32 anos, que é amiga da família e ocupa uma das salas do segundo andar da casa, onde tem seu escritório.
- Incentivos e possibilidades de financiamento como o usado aqui são importantes para a recuperação do valor destes imóveis. Uma reforma já é cara, uma restauração em um prédio antigo, então, pode custar 50% mais - avalia Marielen, que se orgulha de abrir seu primeiro escritório em uma casa tombada.
Donos de imóveis querem preservar memória afetiva do Centro
A reforma completa do imóvel levou dois anos e custou cerca de R$ 80 mil (R$ 10 mil vieram do bolso da proprietária, e R$ 66 mil do financiamento do Monumenta). O valor, disponibilizado por meio da Caixa Econômica Federal, será pago pelo proprietário, sem juros, em um prazo de 10 anos (com carência de seis meses após a conclusão das obras). O dinheiro que irá retornar ao município será incorporado ao Fundo Monumenta, que o reinvestirá na conservação dos prédios de valor histórico e cultural da cidade - o primeiro edital deve ser lançado até o fim do ano.
O funcionário público aposentado Ciro Comiran também acessou parte dos R$ 5 milhões disponíveis pelo Monumenta, em 2006. Os prédios em ruínas na Rua dos Andradas (que levam à porta os números 673 e 683), receberam financiamento de R$ 422 mil.
Em comum com a família de Clarissa, Ciro reconhece a importância dos prédios históricos. Adorador de antiguidades, mora no último andar de um dos imóveis. A casa, uma sala enorme, sem divisórias, que abriga objetos adquiridos em viagens e antiquários, ele define como "um projeto de vida".
- Esses prédios estavam fechados com tapume havia mais de 30 anos. Quando fiz a reforma, uma moça veio com o avô. O senhor apontou para o segundo pavimento e disse: "Meu pai nasceu aqui, em 13 de maio de 1888, dia da libertação dos escravos" - afirma Comiran, que, apesar de agradecido, reclama da burocracia dos processos na prefeitura.
Há casos também, e esses são a maioria, em que a preservação do patrimônio se dá com recursos próprios. O empresário Valmir Lando, 46 anos, investirá cerca de R$ 1 milhão na recuperação da fachada de um antigo imóvel na Rua dos Andradas, 891, e na construção de um boteco na parte interna do terreno - que, por sinal, nem é dele, mas alugado.
- Aqui abrirá, nos próximos meses, o Boteco do Centro Histórico. E como o próprio nome remete à antiguidade da cidade, nada melhor do que abrir esse empreendimento em um prédio de valor histórico - afirma Lando.
Leia as últimas notícias de Porto Alegre
Leia as últimas notícias de Zero Hora
Para a coordenadora do PAC Cidades Históricas em Porto Alegre (ação intergovernamental para preservar o patrimônio brasileiro), Briane Bicca, os três exemplos citados contribuem não apenas para a paisagem urbanística da Capital, mas também para a memória afetiva de quem vive nela.
- Prédios históricos são objetos de afeto, e esse é um dos critérios para se proteger um espaço. Ali viveram famílias, nasceram pessoas, e outras tantas só de passar pela frente já se lembram de momentos de suas vidas. Isso tem valor, e ele não é financeiro.
Para Briane, a preservação das construções é uma obrigação com o passado e, principalmente, com o futuro:
- Não temos o direito de abandonar o que nossos antepassados nos legaram como patrimônio. Não podemos entregar aos nossos sucessores uma cidade sem história.
* Zero Hora
Prédios históricos
Proprietários de imóveis tombados investem na reforma das construções
ZH visitou três bons exemplos de prédios históricos que estão conservados
Bruna Scirea
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: