Carregando um comprido pedaço de madeira com um espanador amarrado na ponta, Hilton Zilberknop cruza um labirinto de estantes cobertas por imagens de pênis e vaginas. Enquanto cutuca, uma a uma, as lâmpadas fluorescentes que se recusam a ligar ("tem que fazer um carinho nelas", justifica), pergunta à repórter e ao fotógrafo:
— Querem que eu ligue as luzes dos andares de cima e de baixo?
Afrente da Zil Vídeo há três décadas, o empresário tem cerca de 60 mil filmes pornô espalhados por três pavimentos na Avenida Osvaldo Aranha, em Porto Alegre. Para enxugar gastos e sobreviver à crise que arrasa as empresas do ramo na era da Netflix — ou, no ramo dele, do XVideos —, Hilton precisou adotar algumas medidas. Manter as luzes apagadas o máximo possível para economizar energia elétrica é uma delas.
O empresário de 54 anos também cortou o quadro de funcionários. Chegou a ter mais de cinco na década de 1990, durante a época de ouro do VHS (que também foi o auge da locadora). Trabalha sozinho hoje.
Praticamente metade dos títulos da locadora ainda são em VHS. Apesar do amplo espaço — ele não sabe informar a metragem do imóvel, nem revela se é seu ou alugado —, não consegue acomodar todos filmes. No andar inferior, há fitas sobre a cabeça dos frequentadores, em uma espécie de cobertura pornográfica, e montes e mais montes no chão.
— Não tem como organizar isso aí. O pessoal do VHS tem que ter paciência.
Divulgada por Hilton como "a maior do mundo", a locadora foi aberta em 1987 pelo irmão, que hoje tem uma sex shop na Vigário José Inácio. Entrou na sociedade pouco depois e viu na especialização em filmes para o público adulto a chance de faturar mais.
— Enxerguei que as locadoras tinham constrangimento em botar pornô, havia muita locadora de bairro. E tinha passado pouco tempo da ditadura, da censura, também. Eu não quis nem saber: comecei a carregar pornô, e fui pioneiro em colocar pornô gay em maior quantidade — gaba-se.
Questionado se gosta dos filmes que aluga, ele diz que "já gostou mais".
— Não vou dizer que nunca vejo, mas gosto mais de uma linha cinema.
Seu gênero preferido é drama de guerra. Também se diz fã de produções chinesas e iranianas e curte o diretor Giuseppe Tornatore (de Cinema Paradiso). Avisa e repete algumas vezes que a locadora não tem só pornô. Estima que tenha 10 mil VHS de outros gêneros, mas como não há espaço físico para eles, os colecionadores precisam selecionar olhando apenas as capinhas.
Se tiver que escolher um filme adulto, Hilton provavelmente vai escolher um europeu, que julga ter melhor qualidade. Ou um brasileiro da década de 1980, que são cômicos também. Diverte-se só de ler os títulos na ala dedicada a eles.
— Tem uns troços assim: "O analista de taras deliciosas". Ou "A vida do sexo profano", é engraçado. Olha esse: "O ETesão", veio depois de ET (de Steven Spielberg).
Com 1m83cm, Hilton usa viseira pelos corredores silenciosos da locadora, que praticamente não tem luz natural. Explica que tem fotofobia (sensação de sensibilidade a qualquer tipo de luz). Por causa de astigmatismo e hipermetropia, usa também um óculos que cobre boa parte do rosto redondo. Se define como um caipira: não usa celular, nem computador. Faz as fichas dos clientes à mão ainda. Os fregueses que ainda frequentam, relata, costumam ter mais idade — poucos jovens sobem as escadas da locadora.
Pergunto se não fica muito solitário ou entediado — durante uma hora e meia que a reportagem permaneceu no local, recebeu dois clientes.
— Às vezes vem algum amigo e a gente conversa. Ouço música, também. E, quando "tô" com saco, dou uma varrida — conta depois de desligar uma grande TV de tubo acima do balcão, que exibia Vale a Pena Ver de Novo.
Solteiro e sem filhos, conta que "se dá ao direito" de viajar de vez em quando. Nesta Páscoa, vai fechar as portas para passear em Gramado. Orgulha-se de já ter conhecido o Chile, os Estados Unidos e parte da Europa.
Provocado a definir a si mesmo, limita-se em dizer que é "um cara de bom caráter" e que tenta ser simpático e amigo de todos os clientes. Desconversa quando pergunto sobre o futuro das locadoras — ressalta que não faz previsões.
— Ganho muito menos do que eu acho que eu mereço, mas como tenho milhares de filmes e ninguém para comprar, vou continuando — diz, resignado. — Vou empurrando com a barriga.