Tramita na Câmara Municipal uma proposta de redução da velocidade máxima nas "vias arteriais" de Porto Alegre. O projeto de lei de autoria do vereador Marcelo Sgarbossa (PT) propõe uma diminuição de 60 km/h para 50 km/h, no caso de veículos leves, e 40 km/h no caso de veículos pesados, como ônibus e caminhões. O texto prevê também uma velocidade máxima ainda menor, a ser definida pelo órgão público responsável, nas "imediações de estabelecimentos educacionais, médicos, hospitalares e geriátricos".
Questionada, a Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre (EPTC) emitiu nota declarando que "assim como a Procuradoria-Geral da Câmara, entende que a proposta é inconstitucional, pois não compete ao Legislativo Municipal determinar a velocidade das vias do município."
De fato, segundo parecer da procuradoria, o projeto "apresenta vício de inconstitucionalidade formal, por usurpação da competência da União para dispor sobre normas de trânsito e transporte." Segundo o documento assinado pelo procurador-geral Fábio Nylan, a velocidade das vias arteriais é definida em 60 km/h pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
O próprio Sgarbossa cita a determinação do CTB na justificativa do projeto, mas argumenta que o município tem "competência e autonomia para regular a redução do limite" a fim de "adequá-lo à realidade local das vias urbanas de Porto Alegre".
— O mesmo dispositivo que permite à cidade reduzir a velocidade do trecho próximo a uma escola poderia ser aplicado em toda a via — argumenta o parlamentar.
A medida Sgarbossa também é vista com reserva por especialistas de trânsito consultados por GaúchaZH.
— Não foi um sorteio que definiu 60 km/h para esse tipo de avenida. É a velocidade adequada. Em horários de muito trânsito, a velocidade dos carros em vias como a Ipiranga, a Assis Brasil, a Bento Gonçalves, já fica abaixo dos 50 km/h. Agora, imagina depois das 22h, trafegar a 50 km/h por elas? A lei seria desrespeitada e só geraria insatisfação no motorista. Nesse tipo de via, a segurança dos pedestres e ciclistas deve ser feita por meio de equipamentos, como ciclovias, passarelas, sinaleiras. Não é a velocidade o problema — argumenta João Fortini Albano, doutor em Engenharia de Transportes pela UFRGS.
Rafael Roco de Araújo, professor da escola politécnica da PUCRS, é ainda mais categórico:
— O projeto é absurdo. Nas cidades, a velocidade não é o imperativo do acidente. Em estradas, por exemplo, é outra questão.
Em julho de 2015, o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, reduziu limites em algumas vias da cidade. Em janeiro de 2017, a gestão de João Doria alterou a medida anterior e aumentou a velocidade permitida em alguns pontos da capital paulista.
Projeto obedece a tendência mundial, argumenta vereador
Sgarbossa, todavia, vê o projeto como coerente a uma corrente mundial de "calming traffic" (tranquilização do tráfego). Cita o exemplo de Nova York, que em três anos reduziu em 30% o número de mortes no trânsito depois de reduzir a velocidade máxima para 40 km/h em toda a cidade e aumentar as multas para excesso de velocidade em 40%. Além disso, a cidade americana alargou ruas, criou bolsões para pedestres e aumentou o tempo das sinaleiras para travessias a pé. A metrópole registrou 101 mortes no trânsito em 2018 e tem como meta nenhuma morte em 2024. Em 2013, antes do projeto, foram 299.
— O Executivo poderia, em vez de citar o CTB e cruzar os braços, ajudar a construir o projeto por meio de emendas. Se tiver de aumentar a velocidade depois de determinado horário, quem sabe seja uma alternativa, embora do ponto de vista educativo eu ache ruim. O que não é correto é não fazer nada para acalmar o trânsito de Porto Alegre nessas vias rápidas. Não é correto um ônibus passar a centímetros do teu pé na Assis Brasil a 60 km/h e só um guarda-corpo te proteger — argumenta o vereador.
Prefeitura contrapõe com números e ações recentes
A pedido de GaúchaZH, a EPTC fez um balanço dos acidentes e mortes em 13 das mais conhecidas vias arteriais da Capital, cuja velocidade máxima é de 60 km/h. São elas as avenidas Assis Brasil, Bento Gonçalves, Ipiranga, Sertório, Aparício Borges, Salvador França, Tarso Dutra, Carlos Gomes, Dom Pedro II, Edvaldo Pereira Paiva, Oscar Pereira, Costa Gama e Manoel Elias.
O que se observa é uma redução drástica no número de acidentes e de mortes nessas vias entre 2015 e 2016. Nesse período, os acidentes nessas vias caíram 32% (de 4.379 para 2.967) e o de mortes 45% (de 31 para 14). Desde então, os números de acidentes nessas vias segue caindo, embora em menor ritmo: foram 2.562 acidentes em 2018. Já o número de mortes segue estável: foram 15 no ano passado, o equivalente a 20% das mortes no trânsito de toda a cidade.
Porto Alegre vem reduzindo o número de mortes no trânsito há quatro anos consecutivos. Após uma elevação de 99 mortes para 130 de 2012 para 2014, o número decresceu para 90 (2015), 84 (2016), 83 (2017) e finalmente 75 em 2018. A EPTC atribui a queda a disseminação de ações de educação e prevenção. Entre as principais, o programa Vida no Trânsito, que investiga todos os acidentes ocorridos na cidade para direcionar a fiscalização, e as blitze do Balada Segura.
Sobre as inicitivas de "calming traffic", a EPTC reconhece a importância do movimento e lista ações nesse sentido. Além dos controladores de velocidade, o órgão cita exemplos como a ampliação das calçadas da Ipiranga com a João Pessoa e com a Princesa Isabel, as travessias para pedestres da Oscar Pereira na região dos cemitérios, mudanças nos corredores e redução de velocidade em pontos da Osvaldo Aranha além de melhorias nas faixas de pedestres em diferentes vias do Centro Histórico.