O ex-diretor-geral do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) Tarso Boelter (PP) foi ouvido duas vezes pela Polícia Civil, em 2016 e 2018. No último depoimento, admitiu saber de irregularidades no órgão público, sem nunca as ter denunciado a autoridades.
Na semana passada, Boelter foi nomeado diretor-geral da Câmara de Vereadores. A presidente da Casa, Mônica leal (PP), disse nesta segunda-feira (7) estar "impactada" com a reportagem sobre pagamento de propina no DEP e com o indiciamento de Boelter por corrupção passiva e organização criminosa, entre outros crimes.
Boelter e outras oito pessoas foram indiciadas em inquérito conduzido pelos delegados Max Otto Ritter e André Anicet, da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública e Ordem Tributária (Deat).
Para Zero Hora, em 2016, quando suspeitas de fraudes foram reveladas, Boelter, que chefiara o departamento por três anos, declarou: "Eu desconhecia tudo isso". A principal suspeita envolvia a empresa que limpava bueiros. ZH demonstrou que ela cobrava pelo serviço em bocas de lobo que não existiam, superfaturando valores.
Em setembro de 2018, para a polícia, Boelter admitiu:
— A minha opinião é que alguns problemas existentes do DEP vinham de longa data. Acho sim que tem esqueminhas na ponta, porque esse problema de limpar 10 bocas (bocas de lobo ou bueiros) e atestar 15 sempre existiu.
Ao depor, acompanhado por um advogado, Boelter revelou que quando assumiu a direção, em 2013, soube pelo antecessor, Ernesto da Cruz Teixeira (PMDB), sobre pagamentos de propina no órgão. Segundo ele, engenheiros recebiam 2,5% sobre o valor de contratos da então Divisão de Obras.
Algumas coisas eu sei. Na gestão anterior já vinha um esquema muito forte de corrupção no DEP, que eu rompi. Cada engenheiro recebia 2,5% de cada obra, comandados pelo diretor anterior, que colocou uma quadrilha dentro do DEP. Ernesto Teixeira, Chico Pinto e dois engenheiros que eu afastei. Quando eu assumi o DEP, tentaram me colocar nesse esquema.
TARSO BOELTER
ex-diretor-geral do DEP, em depoimento à Polícia Civil
— O Ernesto Teixeira me chamou para dar continuidade (ao esquema). Na reunião só estávamos nós dois. Ele quis me jogar nessa lama e eu disse que não, que eu não ia entrar porque estava começando a minha carreira — assegurou Boelter à polícia.
Para o Ritter, o então diretor-geral deveria ter providenciado que eventuais casos de corrupção fossem apurados:
— Ele disse que soube da corrupção, dos esquemas de pagamento de propina. Deveria ter levado à polícia e ter feito apuração interna dos contratos sob suspeita. Não o fez. E ainda, quando depôs pela primeira vez, não contou. Disse que não sabia dos fatos. É inverossímil, no mínimo contraditório.
Contato com empresa investigada
O ex-diretor negou, no entanto, que soubesse de eventuais negociatas de seu diretor-adjunto à época, Francisco Eduardo Mellos dos Santos, que é do mesmo partido de Teixeira. Mellos cuidava mais diretamente da divisão de Conservação.
— Algumas coisas eu sei. Na gestão anterior já vinha um esquema muito forte de corrupção no DEP, que eu rompi. Cada engenheiro recebia 2,5% de cada obra, comandados pelo diretor anterior, que colocou uma quadrilha dentro do DEP. Ernesto Teixeira, Chico Pinto e dois engenheiros que eu afastei. Quando eu assumi o DEP, tentaram me colocar nesse esquema.
Ele disse que soube da corrupção, dos esquemas de pagamento de propina. Deveria ter levado à polícia e ter feito apuração interna dos contratos sob suspeita. Não o fez. E ainda, quando depôs pela primeira vez, não contou. Disse que não sabia dos fatos. É inverossímil, no mínimo contraditório.
MAX OTTO RITTER
delegado responsável pela investigação
Quanto às negociações de propina com a Ambiental BR, foco de inquérito concluído em dezembro pela Polícia Civil, Boelter negou saber. No depoimento dado em 2016, ele contara à polícia que a empresa foi levada ao DEP pelo então prefeito José Fortunati (PDT):
"(A empresa) lhe foi apresentada no ano de 2013 pelo então prefeito José Fortunati, que pediu que a mesma fosse recebida no DEP. Pelo que se lembra, um dos sócios se chamava Gilvani. Esta empresa não era contratada pelo município nem havia vencido qualquer licitação, porém o então prefeito lhe disse que seria interessante receber a empresa, pois a mesma detinha maquinário de tecnologia avançada que poderia ser utilizada pelo município em épocas de enchentes e pelo objeto que é tratado pelo DEP",diz trecho do depoimento de Boelter.
Fortunati disse à GaúchaZH nesta segunda-feira que não lembra desta empresa, que esta não é uma área em que tenha relações e que achou muito estranha a declaração de Boelter.
A Ambiental BR nunca foi contratada pelo departamento, mas usou outra empresa para vencer a licitação de serviços de hidrojateamento. E esse contrato teria rendido propina. Sobre o jantar em uma churrascaria em que teria sido acertada a propina mensal pelo então diretor-adjunto do DEP, Francisco Eduardo Mellos dos Santos, Boelter disse:
— Eu fui convidado a participar dessa janta com uma empresa que eu não sabia que a pauta era essa, mas eu me neguei a participar.
Questionado pela polícia sobre o que Mellos falou ao convidá-lo para o encontro, Boelter explicou:
— Ele ia me apresentar uma empresa que poderia me ajudar, não me recordo bem o teor. Ele sabia que eu era candidato, mas eu não quis participar porque eu não tratava com essas empresas. Desde o primeiro dia eu não atendia empresa sem ninguém ao meu lado, pela postura que eu tenho. Eu não atendi nenhuma empresa sozinho dentro do DEP. O teor (do jantar) eu não sabia, ele só disse que era para ajudar na campanha e que teriam que me aproximar.
Já o gerente-geral da Ambiental BR, relatou "que Chico Mellos exigiu que os valores fossem repassados no dia imediatamente posterior ao pagamento do DEP à JB. Que isso ocorreu na totalidade do contrato. Que além de Chico Mellos teria se beneficiado Tarso Boelter".
Teixeira e Pinto, ex-gestores do DEP, foram investigados em outro escândalo — batizado de Operação Casa Branca, que envolvia o direcionamento de licitações para empresas amigas a fim de obter posteriores vantagens. Em 2017, foram denunciados pelo Ministério Público e hoje são réus em processo judicial. Teixeira foi enquadrado em fraude a licitação e organização criminosa. Pinto, por lavagem de dinheiro, organização criminosa, frustração de concorrência e fraude à licitação.
Fiquei impactada com a reportagem.
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Contraponto
O que diz Ernesto da Cruz Teixeira:
"É uma mentira sem pé nem cabeça. Nunca aconteceu isso. Encontro entre o diretor que sai e o que chega é normal, para tratar as questões. Mas jamais houve essa conversa (sobre propina). Ele que prove. É um absurdo."
O que diz Tarso Boelter:
O ex-diretor-geral do DEP afirma que deu vários depoimentos à polícia e que vai aguardar para ter conhecimento do inquérito.