De forma ainda discreta, novos tipos de transporte espalharam-se por São Paulo no último ano. Bicicletas elétricas com chofer, patinetes elétricas e bikes de aluguel que não têm ponto fixo passaram a dividir espaço com modais já consagrados da capital do carro.
Individuais e voltadas à energia limpa, essas opções estão em sintonia com uma tendência de, nos deslocamentos curtos e médios, manter-se o carro na garagem para fugir ao trânsito brutal.
— Percebeu-se que a mobilidade motorizada individual é suicida. Se os automóveis crescerem, não vai haver espaço para mais nada. Dar suporte a essa mobilidade ativa cria cidades mais saudáveis, com pessoas praticando exercício, consumindo menos energia e ocupando o espaço público, o que inibe a violência. São várias políticas públicas ao mesmo tempo — avalia a doutora em mobilidade ativa Meli Malatesta.
Iniciativa de startups e pequenas empresas, as novas opções ainda carecem de infraestrutura e regulamentação nas cidades brasileiras. Para a pesquisadora, cabe ao poder público atentar para o surgimento dos dispositivos tecnológicos e contemplá-los nos planos de mobilidade urbana. O principal ponto a ser trabalhado para facilitar a circulação de bicicletas e patinetes, no entendimento de especialistas, é a ampliação das malhas cicloviárias.
Porto Alegre, onde ainda não há previsão da chegada dos serviços já existentes em São Paulo, soma apenas 46,3 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas concluídas ou em execução, menos de 10% do previsto no Plano Diretor Cicloviário. A melhoria das calçadas e passeios públicos também é vista como fundamental para estimular hábitos mais saudáveis de deslocamento.
Outro desafio é a regulamentação dos serviços. Nos Estados Unidos, onde as patinetes elétricas viraram febre desde sua chegada, no fim do ano passado, diversas cidades tiveram problemas por falta de regras claras, e algumas impuseram restrições severas para conter a invasão dos dispositivos. Para o especialista em mobilidade urbana Guilherme Petzhold, da WRI Brasil, para que as novas tecnologias contribuam para a melhora da mobilidade como um todo, é importante trabalhar na integração com os modais tradicionais.
— O surgimento dessas alternativas é uma tendência mundial, mas é preciso pensar diretrizes para integrar essas inovações ao sistema de transporte. Sozinhas, não vão ser a solução de mobilidade das cidades — diz.
Conforme os pesquisadores, as parcerias entre poder público e empresas que disponibilizam dispositivos alternativos ao transporte público são uma boa opção para acelerar o processo. E já avançam em algumas cidades: em Fortaleza, há integração tarifária entre o sistema de ônibus e bicicletas de aluguel. No Rio e em São Paulo, um dos aplicativos de compartilhamento de bikes foi integrado com linhas de metrô.
— Existe uma demanda por alternativas de mobilidade de curta e média distância que sejam econômicas, e os gestores públicos são muito lentos em identificar e disponibilizar isso. Os privados estão mais atentos. Nesse sentido, a função do poder público é regular, legislar e zelar pela segurança dos usuários — reflete Pastor Willy Gonzales Taco, coordenador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transporte da Universidade de Brasília (UnB).
Morador de Porto Alegre trocou bike por patinete
Apesar da pequena extensão das ciclovias e de sua concentração na região central, os números sinalizam um desejo por alternativas de mobilidade ativa em Porto Alegre. Desde fevereiro, quando passou por reformulação, o BikePoa, principal sistema de aluguel de bicicletas na Capital, já realizou mais de 275 mil viagens e teve mais de 33 mil usuários cadastrados. Sem dados estatísticos de circulação, skates, patins e patinetes também são fregueses das ciclovias e ciclofaixas.
Diretor de tecnologia de uma startup no Bom Fim, Luís Felipe Mazoni testou diferentes alternativas de deslocamento até escolher seu meio de transporte, pouco convencional: utiliza uma patinete elétrica (veja o vídeo do início desta reportagem) para percorrer os 2,5 quilômetros entre a sua casa, no Menino Deus, e o trabalho. Antes de adquirir o dispositivo, há cerca de cinco meses, cumpria o trajeto a pé, de BikePoa ou de Uber (em dias chuvosos).
— Como levava muito tempo para ir a pé, comecei a usar o BikePoa. Mas vi que tinha de me planejar para conseguir bikes disponíveis, senão acabava pegando muito Uber — conta.
Sem espaço para guardar uma bicicleta, Luís descobriu a patinete elétrica na internet. Comprou o equipamento por R$ 2,5 mil. Leva entre 10 e 15 minutos para chegar ao trabalho, onde pode guardar o dispositivo dobrado, sem ocupar espaço. Em dias de chuva ou quando ganha carona de carro da namorada, transporte a patinete no porta-malas.
Em razão da velocidade – até 25 km/h –, optou por circular sempre em faixas exclusivas ou na faixa dos carros. Os olhares curiosos são frequentes, mas, por segurança, não responde a abordagens.
— Até hoje causa um certo estranhamento, mas, desde o início, resolvi andar como carro. Alguns reclamam, buzinam, mas nada muito diferente do que acontece com as bicicletas.
Conforme a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), "a circulação de equipamentos de mobilidade individual autopropelidos (como segway, skates elétricos, patinetes) é permitida em ciclovias e ciclofaixas", desde que circulem com velocidade de até 20km/h. Nas áreas de pedestres, os dispositivos devem circular em velocidade menor do que 6km/h.