João Ramos e Dayane Cyzinauskas, ambos de 30 anos, saíram de casa na tarde de domingo (27), no bairro Humaitá, e foram até um posto de combustíveis para abastecer. Em questão de minutos, estavam com os reservatórios cheios. No caso, os pneus das bicicletas.
— Não tinha combustível, mas tinha ar — contou Ramos.
Em um domingo sem ônibus e praticamente sem gasolina à venda em Porto Alegre, o casal tratou de desaposentar as bicis, que de tanto tempo sem uso estavam empoeiradas e com os pneus murchos. Se fosse um dia normal, teriam ido até Novo Hamburgo visitar familiares. Dadas as circunstâncias, resolveram deixar o carro na garagem, poupando gasolina para a semana, e pedalar até a orla do Guaíba.
Integraram-se a um fenômeno que colocou o 27 de maio na História: foi o dia em que as ruas de Porto Alegre transformaram-se em uma imensa malha cicloviária. Por onde quer que se andasse, elas foram soberanas domingo. Na Avenida Ipiranga, durante a tarde, passavam em torno de 20 por minuto, em um fluxo interminável. Era Porto Alegre no seu dia de Amsterdã.
Enquanto os corredores e terminais de ônibus ficaram o dia inteiro às moscas (com exceção daqueles que atendem a linhas de alguns municípios da região metropolitana, que continuaram em operação), as estações do BikePoa estiveram concorridíssimas. Por toda a cidade, o panorama era o mesmo: nenhuma bicicleta disponível e várias pessoas à espera.
Os amigos Paulo Guedes, 24 anos, e Gabrielle Coppi, 21 anos, deram sorte. Atacaram dois ciclistas na esquina, quando eles estavam chegando à estação do Largo Glênio Peres para fazer a devolução, e conseguiram garantir as bicicletas. Tinham vindo de Esteio, usando o trensurb. Antecipando que poderia ser difícil arranjar uma bike, Paulo trouxe um skate.
— Quando é para ser, é — comemorou Gabrielle.
Enquanto a dupla retirava as bicis, a estudante Carol Ubatuba, 17 anos, chegava correndo, esbaforida. Ela estava à espera na estação da Praça da Alfândega quando o aplicativo do sistema apontou que havia disponibilidade de duas laranjinhas no Glênio Peres. Saiu numa corrida desabalada, apenas para ver Paulo e Gabrielle retirando as magrelas. Soltou um suspiro desconsolado.
Em seguida chegaram, em passo mais lento, os dois amigos que a acompanhavam, Arthur Bernardes, 18 anos, e Yasmin Ribeiro, 17 anos. O trio tinha conseguido vir do Humaitá, por morar perto da estação Anchieta do trensurb, mas havia arranjado apenas uma bicicleta no Centro, e estava a caça de mais duas para um domingo de lazer junto à orla.
— Está concorrido, mas vamos atrás — disse Yasmin.
— Queríamos dar uma volta no Gasômetro — acrescentou Carol.
— É, mas não estamos conseguindo, e o sol já está baixando — lamentou Arthur.
Na mesma hora, chegavam ali, depois de percorrer quase deois quilômetros desde o bairro Floresta, as amigas Fernanda Alberti, 22 anos, e Djenifer da Silva, 24 anos. Djenifer veio pedalando, em bici própria. Fernanda, que não tem uma, fez todo o percurso a pé, de olho no telefone, consultando o aplicativo do BikePoa, mas sem resultados.
— Não tem bicicleta em lugar nenhum! E eu com o celular na mão, com risco de roubarem — comentou ela.
Perto do Centro, o aplicativo apontou disponibilidade no Largo Glênio Peres, mas elas chegaram tarde. A conversa com GaúchaZH foi abreviada no meio: o app indicou que uma bicicleta havia sido entregue nas imediações do Museu Júlio de Castilhos. As duas subiram a Borge de Medeiros a toda a pressa.
Quem optou pelo táxi, na falta de ônibus, também viveu um dia incomum. O senegalês Cheikh Ahmadere, 23 anos, que mora próximo à rodoviária, precisava ir até o bairro Praia de Belas domingo à tarde. A família dele havia enviado umas roupas, desde o Senegal, para um compatriota residente em Caxias do Sul. Esse outro senegalês veio jogar uma partida de futenol na Capital e trouxe a encomenda. Cheikh abordou um taxista e perguntou quanto ele cobraria pelo trajeto. A pedida foi R$ 20, sem taxímetro.
No retorno, ele mudou de estratégia. Abordou uma taxista e propôs R$ 15 até o Mercado Público. Ela topou. Depois de fazer compras no Centro, Cheikh estava planejando voltar a pé para casa, para não ter de gastar com outro táxi.
— Eu não devia caminhar, porque machuquei a perna no trabalho, mas não tem ônibus —contou.
Outros campeões de audiência no domingo sem ônibus foram o Uber e as lotações. Carlos Augusto Garcia, 67 anos, e sua mulher, Abertina Araújo, 66 anos, chamaram um carro no aplicativo para irem a um almoço. Na volta, pegaram duas lotações.
— O almoço era de graça — explicou Albertina.
Morador de Alvorada, João Carlos Martins, 62 anos, saiu para o trabalho às 14h . O expediente, como vigilante na Restinga, começaria às 18h. Normalmente, ele vai de ônibus ao trabalho, sem pagar nada por causa da idade. No domingo, conseguiu chegar a Porto Alegre em uma lotação, que normalmente faz a linha do Jardim Lindoia. Pagou R$ 5 e desembarcou no Centro às 16h. Não sabia se teria transoporte para a Restinga, nem onde o conseguiria.
— Agora vou me informar por aí — anunciou.