Cinco anos depois, a madrugada de 31 de agosto de 2013 ainda deixa marcas profundas em muitos moradores do bairro Sarandi. Foi naquela data que, por volta da meia-noite, um dique do Arroio Feijó se rompeu.
A água invadiu as ruas do bairro, inundando de repente 700 casas das vilas Asa Branca, Elizabeth, Nova Brasília e União. Até então, o dique funcionava como uma barreira que impedia a entrada da água do Rio Gravataí na região norte da Capital.
Além de transtornos para centenas de famílias e de um medo frequente de que o fato se repita, o alagamento resultou em 1.016 processos judiciais contra a prefeitura de Porto Alegre. As ações tramitam na Justiça Estadual sob a supervisão da Procuradoria de Indenizações da Procuradoria Geral do Município (PGM). Do total, 755 estão com acordo homologado e sendo efetuados os pagamentos.
O acordo foi fechado no valor de R$ 12 mil por processo – quantia estabelecida pelo valor médio das condenações –, a serem pagos em 36 parcelas iguais e consecutivas. Os processos estão suspensos perante o Poder Judiciário e serão definitivamente extintos ou arquivados após o pagamento da 36ª parcela do acordo. Em outros 261 processos não foram efetuados acordos – seja pela recusa em aderir à proposta, ou por se tratarem de ações novas, que ingressaram após o fechamento da rodada de negociações – e estão tramitado regularmente.
“Invadiu tudo”
Marlene Alves dos Santos, 50 anos, faz parte do grupo de moradores que recebe a indenização. Ela recorda que a inundação ocorreu um dia após o término da pintura de sua casa nova. Na época, ela vivia com o marido e três filhos em um galpão nos fundos, enquanto sonhava com o dia em que mudaria para a nova morada:
– Fui acordada pela água. Para nós, não existia chance daquilo acontecer, não tinha chovido no dia anterior.
Marlene calcula que teve prejuízo de R$ 13 mil. A maior parte do que foi perdido já foi recuperado pela família, que ainda teme que um episódio semelhante se repita:
– Naquela noite, a água invadiu tudo. Era uma gritaria, as pessoas apavoradas. O que a gente mais se pergunta é se existe chance de isso acontecer de novo.
Também entre o grupo de pessoas que está recebendo indenizações, a dona de casa Simone Ferreira, 40 anos, lembra que vivia próxima à saída da água. A inundação chegou a atingir 1,60 metros de altura dentro da sua casa.
– Naquela rua, sempre que chovia muito, entrava água em casa. Mas aquele foi o maior alagamento que já enfrentamos, nunca vimos nada parecido. Sobrou só o botijão de gás boiando em casa. Ficamos três noites fora de casa.
Na época, ela morava na casa com o marido, dois filhos e o irmão. Há dois anos, a família deixou o local e foi realocada em uma das 109 casas no Residencial Farroupilha, na mesma Vila Asa Branca.
As moradias eram uma reivindicação anterior ao episódio do rompimento do dique, pois beneficiaram famílias que viviam em condições precárias e muito suscetíveis às inundações. Agora, todas as casas possuem energia elétrica e redes de abastecimento de água e esgoto regulares.
Para o pedreiro Jonas Hickmann, 40 anos, a noite de 31 de agosto de 2013 ainda não terminou. O morador da Vila Asa Branca teve a casa e a mercearia, que funcionava no mesmo terreno, completamente invadidas pela água:
– Era 1,20 metro de água, perdi mesa de sinuca, geladeiras, micro-ondas, freezer e tudo que estava dentro da casa. Consegui salvar o carro, mas perdi a moto. A gente já tem pouco e ainda perde tudo numa noite.
Jonas precisou deixar a casa, perdeu prazos para realocação e indenização e ainda hoje trabalha para erguer uma nova moradia, também na Vila Asa Branca. Porém, longe do valão e em um terreno mais alto.
A enxurrada o obrigou a trocar de profissão. Hoje, ele mesmo é quem constrói a casa de 40 metros quadrados, metade concluída, onde já vive.
– Até hoje, não consegui me reerguer do que ocorreu naquela noite.
Conserto e monitoramento
A preocupação dos moradores do bairro de que a enxurrada se repita é motivo de observação constante do ponto por parte da prefeitura. Segundo informações da equipe técnica da área de saneamento, a Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade Urbana fez a recuperação do dique.
Passados cinco anos, a estrutura vem sendo monitorada e não tem apresentado nenhum comportamento fora do padrão.
Desde aquela época, a FIERGS possui câmeras de videomonitoramento e acompanha a situação do dique. Em caso de necessidade, a prefeitura será acionada.
Na época do rompimento do dique, houve suspeitas de que uma ação intencional tivesse provocado o alagamento. Três meses após o ocorrido, a Polícia Civil encerrou um inquérito sem encontrar indícios que apontem crime ou negligência.
Relembre o caso
- O dique do Arroio Feijó foi construído na década de 1970. Ele faz parte de um sistema de drenagem que vai de norte a sul da Capital. O objetivo é impedir a entrada de água do Rio Gravataí na zona norte da Capital.
- Com as chuvas que caíram no final de agosto de 2013, arroios e rios saíram do leito. O Rio Gravataí atingiu 6,50 metros, sendo que o nível normal é 3 metros.
- No começo da madrugada de 31 de agosto de 2013, um dique do Arroio Feijó rompeu e, por meio de um córrego, as águas barrentas passaram por baixo da Avenida Assis Brasil, invadindo 700 casas do bairro Sarandi.