Uma audiência pública foi realizada nesta quarta-feira (5), na Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, para tirar dúvidas dos moradores que serão atingidos pela obra da nova ponte do Guaíba. O empreendimento está 60% concluído, mas, para avançar, será preciso a retirada de quem vive na chamada faixa de domínio, que é o trecho por onde a via vai passar. O debate foi acalorado, e as perguntas do público chegaram a ser interrompidas por alguns minutos.
A juíza substituta da 26ª Vara Federal e coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflito e Cidadania (Cejuscon), Ana Inés Algorta Latorre, adianta que as audiências de conciliação deverão começar em outubro.
— Serão audiências coletivas. Pretendemos atender 25 famílias por audiência.
Aos moradores será oferecida a chamada "compra assistida", que é a aquisição de um imóvel pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Caso as famílias aceitem, precisarão procurar um imóvel regularizado em qualquer parte do Estado no valor bruto entre R$ 158 mil e R$ 178 mil. Caso a conciliação não ocorra, o morador discutirá no processo judicial o valor da indenização que receberá da União.
— A compra assistida vai ser, na maioria das vezes, de um imóvel de valor bem superior ao que elas (as famílias) têm hoje. Porque elas têm a posse numa área que não é possível regularizar e elas fariam jus apenas à indenização das benfeitorias, que é o valor da casa — diz a juíza.
Para o desembargador federal Rogerio Favreto, coordenador do Sistema de Conciliação da Justiça Federal da 4ª Região, a conciliação é o melhor caminho para essas famílias:
— Existe uma ação de desapropriação. A Justiça pode determinar a retirada da família. Nós queremos evitar essa questão. Obviamente, nós teremos o cuidado de não despejar essas famílias sem possibilidade real que envolve a moradia. Por isso, esse é o momento de buscar um acordo.
O procurador regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal no Estado, Enrico Rodrigues de Freitas, manifesta preocupação quanto aos recursos para pagamento das chamadas compras assistidas.
— Não há uma sinalização da totalidade de recursos, seja para esse ano, seja para o ano que vem. Não há uma solução global. Parece uma solução que permite só a passagem da ponte, com um pouco mais de unidades. Chegaríamos a 300 unidades, sendo 275 na ilha e 25 no continente, quando a necessidade só para a compra assistida seria de 900 famílias.
A defensora regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União no Estado, Ana Luísa Zago de Mores, manifesta preocupação em relação ao sustento das famílias que terão de deixar a região.
— Porque tem muitas famílias que trabalham com reciclagem. Eles têm um galpão de reciclagem e a ponte vai passar por cima. Estamos intermediando uma solução para esse galpão. E tratando ainda a questão do emprego, das escolas, da saúde.
Contra a compra assistida, Liane Antônia Souza Farias, de 58 anos, que vive há 36 anos na Ilha Grande dos Marinheiros, quer ficar na região.
— Essa compra assistida foi uma pressão que fizeram para cima dos moradores. Porque, até então, seriam construídas habitações na própria ilha. Agora, como a ponte está bem adiantada, e eles não derrubaram uma "graminha" para fazer as moradias, eles estão forçando a barra. Só que existem pessoas que não têm estudo, só reciclaram na vida e vão para outro lugar. Como elas vão trabalhar?
Já para a moradora Priscila Bianchi, de 28 anos, a compra de um imóvel pelo Dnit é a melhor alternativa.
— Acho que é a opção mais rápida para solucionar esse problema e resolver isso. Ainda não tenho algo em vista, mas assim que confirmarem meu nome, vou procurar.
O que diz o Dnit
A Advocacia-Geral da União, que defende o Dnit nas ações judiciais, pretende divulgar na segunda-feira (10) a lista das cerca de cem famílias que estão no traçado da nova ponte e que serão as primeiras chamadas para aceitar ou não a compra assistida. O superintendente do Dnit no Estado, Allan Magalhães Machado, admite que as unidades habitacionais previstas estão em fase de licenciamento e não há prazo para construção. Explica que já foram movidas 112 ações judiciais e até o fim do ano o total será de 300, de um total de mil famílias que precisarão deixar suas casas.
- Nós temos hoje a necessidade para fazermos a obra da retirada de entre 90 e cem famílias. Com isso, eu consigo executar a obra. Só que a expectativa do Dnit não é só executar a obra e deixar as demais famílias ali. Nós estamos trabalhando com 300 famílias e, no ano que vem, vamos dar seguimento ao processo.
O superintendente mantém o prazo otimista de liberar o fluxo de veículos na ponte até o fim do ano, mas adianta que o Dnit ainda precisa de aporte de recursos.
— Hoje, nós não temos o recurso para concluir a obra. Inclusive porque a obra concluída tem obras complementares a serem feitas.
A promessa de concluir a obra até o fim do ano é do ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, após se reunir com técnicos do Dnit em julho. Mas o próprio Marun admitiu, na ocasião, que caso os moradores sejam reassentados, tentaria obter R$ 100 milhões com o governo federal para acelerar os trabalhos. A previsão original era de que a obra terminasse no segundo semestre de 2019.