A obra da nova ponte do Guaíba chegou a 60% e atingiu o limite da Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, onde 1.089 famílias e 33 comércios terão se que ser realocados para a continuidade da construção da travessia. Quando a obra chegar aos 90%, estágio que deve ser atingido em janeiro de 2019, os trabalhos só avançarão sem a presença dos moradores. A lentidão do processo, porém, angustia quem vive no local e pode levar a novos atrasos na obra, onde já foram investidos R$ 451,14 milhões.
Se, de um lado, a obra avança, mesmo com os atrasos na liberação de recursos, de outro, os moradores que terão suas vidas diretamente atingidas pela nova ponte ainda pouco sabem sobre o futuro da própria moradia. Para quem vê os pilares da ponte avançarem até a divisa do próprio terreno, a sensação é de insegurança.
– É sufocante e assustador – desabafa o reciclador Gíneo Jumier da Silva, 57 anos.
A apreensão dele se multiplica entre as outras famílias que veem o concreto da ponte cada vez mais próximo de suas casas sem ainda saberem para onde vão. No terreno onde está a casa de Gíneo, a base de um pilar cravado no rio faz divisa com a superfície. Da portas dos fundos da residência, dá de cara com a base de concreto.
– A impressão que eu tenho é que vão colocar o pilar em cima da gente – conta o reciclador, que mora no mesmo local há 45 anos.
O traçado da ponte, além de atravessar o terreno de casa, passará sobre o local onde ele trabalha. O galpão de reciclagem, que ajudou a fundar e que existe desde 1989, é fonte de renda para ele e mais 14 pessoas.
Até agora, não há garantias de que ele será reerguido no terreno onde os moradores serão realocados. Tudo ainda é dúvida no futuro das famílias da Ilha dos Marinheiros. A líder comunitária Nazareth da Silveira Nunes teme pela demora de definições:
– Meu medo é que chegue um momento que venham nos tirar na marra daqui, à força, para nos colocar em outro lugar.
"Na rua, não podem nos deixar"
No outro extremo da ilha, na região do Saco da Alemoa, a também recicladora Laura Garcia dos Santos, 43 anos, convive há três meses com o barulho das máquinas que fixam os primeiros pilares na superfície rumo ao outro lado do rio. As estruturas de concreto começam a ser colocadas bem em frente a casa onde vive há 14 anos com três filhos, o marido e uma neta. Nenhum vizinho foi realocado para que a obra começasse.
– Se tu ouvir todos os moradores, todos vão responder que não querem sair da ilha. Na rua, não podem nos deixar. Se nos derem um lugar para morar, nós vamos – diz Laura.
– Aqui é o melhor lugar da ilha para viver. Não tem violência e a gente não se incomoda com nada – comenta a filha, Gabriela, 22 anos.
Compra assistida é uma das opções
Responsável pela realocação das famílias, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) está convocando as famílias cadastradas no ano de 2014 para validar seus dados e propor o reassentamento pelas modalidades de Compras Assistidas e Indenizações. A família pode escolher casa em qualquer local do Rio Grande do Sul que esteja com toda documentação de escrituras em dia. O valor do imóvel pode variar entre R$ 100 e R$ 150 mil.
A recicladora Sandra Marilu da Silva Teixeira, 43 anos, foi uma das que já foi chamada. Ela sempre quis permanecer com a família na ilha, mas, como vê o pilar da ponte já nos fundos de casa, optará por compra assistida:
– Eles fazem questão que as pessoas peguem compra assistida. Minha casa já está no pilar da ponte, não vou ter como esperar a construção de novas. Sou obrigada a sair. Falam em fazer a remoção das primeiras cem famílias já no final de agosto.
Burocracia causa demora no reassentamento
A terceira possibilidade de realocação – e a mais desejada pelos moradores da ilha – é o reassentamento em unidade habitacional dentro da própria ilha. Serão construídas 573 unidades habitacionais divididas entre casas e apartamentos em uma área localizada na margem sul da BR-116/290. Mesmo após dois anos de trâmite de licenciamento da área na prefeitura, o Dnit ainda não protocolou os projetos de edificação das moradias, passo que poderia ser dado imediatamente após a aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) em 20 de fevereiro de 2017.
A licença prévia junto à Fepam já foi emitida. Quando à infraestrutura do terreno, o processo tramita desde outubro de 2014 na Comissão de Análise e Aprovação de Demanda Habitacional Prioritária (Caadhap) do Escritório de Licenciamento vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE). Nesta época o Dnit fez o pedido de parcelamento do solo da área – é a divisão da terra em unidades juridicamente independentes para edificação em forma de loteamento. Trata-se do primeiro passo do licenciamento.
O documento foi emitido menos de um mês depois. Em maio de 2015, foi solicitado o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), aprovado em março do ano seguinte. Porém, em outubro de 2016, quando começaram os primeiros projetos de infraestrutura da área, o Dnit inseriu uma nova área ao terreno, o que demandou um novo EVU e acabou atrasando o processo.
Agora, tramita a segunda fase de loteamento, que inclui projetos de rede de esgoto pluvial, cloacal, abastecimento de água e pavimentação. A licitação das obras de infraestrutura das áreas só poderá iniciar após a aprovação integral desses projetos.
Paralelo a isso, porém, o Dnit não protocolou os projetos de edificação das moradias, passo que poderia ser dado imediatamente após a aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU).
À reportagem, o Dnit informou que o edital de licitação da obra estabelece que deve ser feita a elaboração, aprovação e construção da infraestrutura necessária para construção das habitações para só então ser feito um chamamento público para construção das casas via programa Minha Casa Minha Vida. No entendimento do Dnit, "os projetos das edificações casas/prédios serão apresentados nessa etapa e também não impactam no processo de análise e aprovação dos projetos de infraestrutura em tramitação na prefeitura".