Correção: o número de funcionários lotados em órgãos da prefeitura de Porto Alegre que não existem mais é 1.577, diferente do que foi publicado entre 9h01min e 21h25min desta terça-feira (3). Título e texto já foram corrigidos.
A possibilidade de que os cidadãos saibam exatamente quais atividades são realizadas pelos servidores públicos e cargos comissionados (CCs) de Porto Alegre, que foi uma das principais bandeiras da campanha de Nelson Marchezan, ainda não saiu do papel. Uma medida prosaica — divulgar a agenda diária do prefeito — não ocorre desde 2013. E, um ano e meio depois do início da atual gestão, quem acessa o Portal da Transparência enxerga a prefeitura quase igual àquela deixada por José Fortunati — mesmo após a profunda reforma feita por Marchezan logo após assumir o cargo.
Depois da troca de governo, 16 secretarias foram extintas ou fundidas, mas pelo menos 1.577 funcionários* seguem lotados em estruturas anteriores à mudança. Durante a campanha, Marchezan disse que a divulgação correta das atividades era prioridade.
— As pessoas têm de saber quantos servidores existem, qual a função de cada um e onde está naquele dia. O setor público só não é público porque não quer. As ferramentas existem — disse Marchezan, em entrevista durante a campanha de 2016.
Ao buscar a lista de CCs da Capital, é possível encontrar, por exemplo, um profissional atuando no gabinete da Secretaria Especial da Copa do Mundo de 2014 (Secopa), pasta extinta há quatro anos. Na área Folha de Pagamento do portal, a mesma pessoa, de nome Ricardo Ost Oleinski, aparece vinculada a outra pasta, de Serviços Urbanos, onde efetivamente atua. A prefeitura foi procurada para explicar esse caso específico, mas não se manifestou.
A situação é semelhante à mostrada por GaúchaZH em abril, quando um coordenador-geral foi nomeado para o Escritório do Metrô de Porto Alegre (MetroPOA), extinto em 2016. Após a reportagem, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou que o CC fosse remanejado, assim como todos os outros casos semelhantes. No dia 25 de junho, a prefeitura o tirou do MetroPOA e o realocou na Secretaria de Planejamento e Gestão.
O quadro funcional de CCs e de funções gratificadas (bonificação por assumir cargo de chefia) também mostra secretários adjuntos atuando em secretarias extintas em 2017, como a de Direitos Humanos (SEDH), do Trabalho e Emprego (STE) e dos Direitos Animais (Seda). Há centenas de casos semelhantes em que a informação oficial sobre a lotação do funcionário não condiz com a realidade de atuação.
— Se trata de uma ilegalidade, não tenho dúvida. O conceito legal de uma pessoa que está lotada em um cargo e desempenhando funções em outro é o chamado desvio de função. Agora, também diria que é mais ou menos grave, dependendo das consequências — avalia Rafael Maffini, advogado e professor de direito administrativo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Secretário interino de transparência reconhece problemas
As atividades diárias do prefeito são impossíveis de consultar no site da prefeitura desde junho de 2013, quando o então prefeito José Fortunati parou de publicizar seu roteiro diário. Marchezan não adotou o hábito, comum em outras capitais, como São Paulo e Rio.
Uma das secretarias criadas na reforma administrativa do início do governo foi a da Transparência. Mas, até agora, a pasta só teve titular por seis meses. Sandro Bergue, a quem coube estruturar o desenho de gestão da pasta, ocupou o posto entre setembro de 2017 e fevereiro de 2018. Desde sua saída, o secretário Leonardo Busatto (Fazenda) exerce a função interinamente. Ele admite que a gestão "está atrasada" na alteração dos cargos após a reforma administrativa, mas destaca que não foi criado "nenhum cargo novo".
— O setor público tem uma visão de transparência muito passiva, a gente não se comunica de maneira transparente com as pessoas. Vi que Porto Alegre recebeu prêmios de transparência. Com todo o respeito a quem deu os prêmios, Porto Alegre está longe de ser transparente. Hoje, no site da prefeitura, ninguém sabe quantas escolas temos, quais os professores, que matérias que dão, que horários, quem são os diretores, os servidores, para permitir que a própria população seja fiscal do serviço — reconhece.
Várias razões contribuem para a demora, destaca Busatto: sistemas informatizados da prefeitura são "desarticulados", falta cultura de transparência e falta configuração legal da própria Secretaria de Transparência. O projeto de lei que estrutura os cargos e funções da pasta está há meses aguardando análise no gabinete do prefeito e não foi enviado para a Câmara Municipal.
Compromisso na eleição, abertura de dados patina
Durante a campanha, Marchezan também sugeriu a criação de um aplicativo que mostrasse, em tempo real, as atividades dos trabalhadores da prefeitura. Atualmente, o site da prefeitura aponta para 20 aplicativos, mas nenhum com a finalidade descrita pelo prefeito. GaúchaZH procurou Marchezan, mas não teve atendidos os pedidos de entrevista.
O cidadão vai olhar o aplicativo e vai ver que deveria ter três pessoas fazendo capina na sua rua e vai ajudar a fiscalizar.
Clique e leia a entrevista completa
Dois projetos caminham nessa direção. Um deles, na Secretaria de Serviços Urbanos, funciona internamente: trabalhadores que fazem a manutenção de bueiros informam o início e o fim de cada trabalho, o que é acompanhado em tempo real na secretaria. A pasta promete, no futuro, abrir o sistema para que o cidadão também confira a atuação dos servidores.
Outro, que mostra o impacto que ferramentas de transparência podem ter no cotidiano, é o sistema de GPS nos ônibus da Capital. Prometida para o final deste ano, a tecnologia permitiria que passageiros conferissem no celular onde está seu coletivo. Hoje, a implantação atinge 12% dos ônibus. Testes chegaram a ser feitos no ano passado. A EPTC não respondeu sobre quando haverá um aplicativo de celular para acompanhamento.
Busatto acrescenta que, em seis meses, um projeto piloto para acompanhamento de custos e atividades de funcionários na rede escolar deve ser lançado. O secretário evita definir prazos, mas projeta que, até o fim do governo, em 2020, a promessa de campanha será cumprida e o cidadão poderá acompanhar em tempo real as atividades dos funcionários e os custos envolvidos nas áreas de educação, saúde, segurança e coleta de lixo.
Porto Alegre conta, atualmente, com dois sites. O principal, com mais informações sobre a cidade e sobre o governo, e um novo, chamado de alfa, que está sendo construído e traz outras informações e serviços. Em nenhum dos sites há a lista completa de funcionários e as atividades que realizam em cada secretaria. Ambas as páginas têm links para a Secretaria da Transparência e Controladoria. Na descrição, é informado que a pasta, criada em janeiro de 2017, "está em fase de estruturação".
A situação é criticada por especialistas em transparência: clique aqui e leia a reportagem.
* A consulta aos dados, no Portal da Transparência, aconteceu no dia 28 de junho de 2018.