Os vereadores aprovaram a ampliação do poder de polícia administrativa da Guarda Municipal, autorizaram punições mais duras a quem for flagrado depredando o patrimônio e aprovaram multas de até R$ 401 mil para quem impedir o livre trânsito de pedestres ou veículos — tudo isso em um só projeto. O texto encaminhado pelo prefeito Nelson Marchezan, chamado de "lei antivandalismo" pelo governo, foi votado no plenário da Câmara Municipal por volta das 22h50min de quarta-feira (20), recebendo 23 votos favoráveis e oito contrários. A proposta depende de sanção para começar a vigorar.
Servidores municipais que estavam em greve acompanharam a sessão, protestando especialmente contra a última medida, que pode atingir sindicatos, estudantes e movimentos sociais que realizam manifestações. O projeto prevê multas de mil a 100 mil UFMs (R$ 4.014,5 a R$ 401.450, segundo valores previstos para 2018) a quem "embaraçar ou impedir, por qualquer meio, o livre trânsito de pedestres ou veículos nos logradouros públicos". Diretor do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Adelto Rohr se indigna:
— Quando um estudante foi esfaqueado em frente ao colégio Protásio Alves, estudantes foram às ruas protestar contra a falta de segurança. Aí agora, se isso acontecer, eles vão receber multa de no mínimo R$ 4 mil por conta disso? O governo não nos dá condições de segurança e a comunidade perde o direito de se manifestar. É inadmissível!
Segundo o secretário municipal de Segurança, Kleber Senisse, não havia no município legislação que pudesse resultar em uma punição para os responsáveis pela obstrução de vias públicas. Ele afirma que, ao realizar uma manifestação, os grupos precisarão de prévia autorização com os órgãos da prefeitura, e os responsáveis por manifestações não consentidas que estiverem atrapalhando o fluxo – sejam pessoas físicas ou instituições – vão responder.
— Até agora, tu resolvias fazer (a manifestação) e fazia. Normalmente às 7h30min, 8h, na hora do rush, determinados grupos resolviam parar Porto Alegre.
Ele acrescenta que não é preciso bloquear pista de rolamento para ser autuado — diz que se aplica "a toda a situação que impactar o município". Exemplifica:
— Tem o Brique da Redenção no domingo. Se tu resolves que vai colocar 500 pessoas lá para fazer uma manifestação, está impactando algo que já é permanente no município, então tem que ter autorização para usar aquele espaço público.
Líder da oposição na Câmara, Fernanda Melchionna (PSOL) reclama que o prefeito "pegou carona" em uma reivindicação histórica da Guarda, de ampliar suas atribuições para proporcionar mais segurança à população, para emplacar uma proposta que atenta contra a livre expressão.
— Não vai funcionar. Vamos fazer manifestação igual. A liberdade de manifestação foi uma conquista do povo brasileiro, não vai ser um prefeito reacionário que vai nos tirar — diz a vereadora.
Bem como o Simpa, um grupo de vereadores já se mobiliza para entrar com uma ação de inconstitucionalidade, com base no artigo 5º da Constituição Federal — "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente".
No entendimento de Eduardo Carrion, professor titular de direito constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o projeto de lei aprovado pode ser inconstitucional. De acordo com ele, há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) entendendo que em determinadas circunstâncias, manifestações de poucas pessoas e de pouco período de tempo, possam inclusive dispensar a comunicação à autoridade.
— Mesmo manifestações nos limites da Constituição e da lei podem, eventualmente, provocar algum embaraço, dificultando relativa e momentaneamente a livre circulação de pessoas e de veículos. Os termos do projeto de lei aprovado parecem ser excessivos, e nesse sentido podem ser passíveis de questionamentos de inconstitucionalidade.
O que muda nas atribuições da Guarda Municipal*
A Lei Complementar 06/17 regulamenta funções já exercidas pela Guarda Municipal e também dá novas atribuições ao órgão:
Vandalismo
Como era: A Guarda Municipal apenas conduzia a pessoa que estava causando dano ao patrimônio à delegacia de polícia.
Como vai ficar: A Guarda poderá também autuar o vândalo. No momento em que houver o flagrante, ele receberá a autuação de infração e começa a correr o processo administrativo. Uma junta, formada por servidores das secretarias de Segurança, Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico e Procuradoria-Geral do Município, decide se vai ser aplicada a multa. Segundo o secretário de Segurança, quem for penalizado e não pagar entra na dívida ativa do município e ficará relacionado nos órgãos de proteção ao crédito.
Fiscalização
Como era: A Guarda Municipal apenas acompanhava fiscais de secretarias em operações, como as que coíbem o comércio irregular de rua.
Como vai ficar: Os guardas municipais ganham a atribuição de fiscais do município também. Passam autuar quem comete infração prevista no Código de Posturas. Além de comércio irregular, também podem notificar e abrir processo administrativo para cobrança de multa de quem urina em local público e joga lixo no chão, por exemplo.
Investigação
Como era: A Guarda Municipal não fazia investigações.
Como vai ficar: Fica autorizado à Guarda investigar quaisquer condições anormais que tenham observado dentro da estrutura da prefeitura. De acordo com o secretário Kleber Senisse, isso levará à criação de um setor de inteligência na Secretaria de Segurança, para gerar informações antecipadas e privilegiadas em qualquer tipo de evento. Ele exemplifica: se em uma escola municipal, alguém está causando problemas que prejudiquem o funcionamento normal da instituição, pode-se fazer um trabalho de investigação chegar a essa pessoa.
*Fonte: Secretaria Municipal de Segurança
O projeto também faz acréscimos e alterações no Código de Posturas.
Veja quais serão as multas* previstas para quem:
— Picha monumento ou edificação, público ou particular: R$ 2.007 a R$ 12.043.
— Despeja águas servidas, lixo, resíduos domésticos, comerciais ou industriais nos logradouros públicos ou terrenos baldios: R$ 2.007 a R$ 20.072.
— Coloca ou pinta em postes, muros, paredes cegas, túneis, viadutos, pistas de rolamento de tráfego, rótulas, passarelas, árvores e outros lugares indicações publicitárias de qualquer tipo sem licença do município: R$ 2.007 a R$ 12.043.
— Causa dano a bem do patrimônio público municipal: multa de R$ 4.014,5 a R$ 401.450.
— Urina ou defeca em via pública: R$ 200 a R$ 2.007
*De acordo com a Unidade Financeira Municipal (UFM) prevista para 2018, de R$ 4.0145.
*Colaborou Bárbara Müller