Foi-se o tempo em que o ônibus era a opção mais barata para andar pela cidade. Após o reajuste deste ano, em fevereiro, Porto Alegre atingiu a segunda tarifa mais cara do Brasil: R$ 4,05 — Curitiba está à frente (R$ 4,25), mas o passageiro pode fazer várias viagens no sistema integrado. O aumento constante da passagem sem a melhora correspondente nos serviços das empresas de ônibus é um dos pontos levados em consideração por quem trocou de modal recentemente.
Antes mesmo de ser transferido de Curitiba para Porto Alegre, três anos atrás, o militar Fábio Reis foi pesquisar como seria sua locomoção na capital gaúcha. Percebeu que teria problemas com a passagem de ônibus cara e com limites na integração do sistema — nem sempre conseguiria fazer a baldeação a tempo de pegar a segunda viagem gratuita.
— Lá, com uma passagem, eu conseguia fazer vários trajetos. Aqui, para ir do Cristal, onde eu moro, até o Santa Tereza, onde eu trabalho, ia ter de pegar dois ônibus. No fim do mês, ia ficar muito caro — lembra.
Apesar da prévia pouco animadora, Fábio deu uma chance aos ônibus de Porto Alegre. Logo percebeu que a passagem cara não era o único problema: os horários irregulares o prejudicavam. Tinha de levantar mais cedo para evitar atrasos. Optou por retomar o hábito criado na capital paranaense e ir ao trabalho de bicicleta. Além de economizar, passou a curtir o trajeto, que passa pela orla do Guaíba.
— Nos dias de chuva, me obrigo a vir de ônibus. Dá uma enchida, principalmente na volta. Infelizmente, o transporte público é muito ruim. Os governos falam em mobilidade, mas não oferecem uma opção de qualidade — reflete.
Segundo a pesquisa da CNT, o preço da tarifa foi apontado por 30% dos usuários como o motivo para deixar os ônibus de lado. E provavelmente é o problema mais longe de uma solução: como o valor é estimado sobre a quantidade de usuários pagantes, quanto menos pessoas utilizam o sistema, mais a passagem tende a encarecer.
Na esteira da crise econômica, o ônibus perdeu um de seus usuários mais fiéis: o trabalhador das classes menos abastadas. Dados coletados pelo estudo nacional mostram que as pessoas com menor poder aquisitivo são também as que menos contam com benefícios para utilizar o transporte. Se entre as classes B e C há grande subsídio das empresas, através do vale-transporte, a maior parte dos passageiros das classes D e E recebe apenas uma ajuda de custo para se deslocar, tendo de arcar com os gastos de transporte. A arrancada dos índices de desemprego nessas faixas contribuiu para que pessoas abandonassem o sistema.
Para a professora da Unisinos Nívea Oppermann, outro fator que dificulta o barateamento da passagem é o modo como se deu a ocupação dos centros urbanos. Com a população mais pobre ocupando zonas periféricas, foi preciso estender as linhas, tornando a tarifa única uma desvantagem para quem faz viagens curtas.
— As viagens curtas ajudam a subsidiar as longas. Ou seja, quem paga mais são os que têm os menores trajetos. É natural que essas pessoas prefiram outros modais, desequilibrando o sistema — afirma.
GaúchaZH ouviu passageiros, especialistas e consultou dados do setor e mostra os motivos da crise nos ônibus, sua influência na vida da Capital e quais são as possíveis soluções para evitar seu aprofundamento. Clique e entenda:
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