Sete dias após a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) suspender as atividades da empresa Cettraliq, investigada por relação com as alterações no cheiro e no sabor da água em Porto Alegre, por emissão de odores acima do limite estabelecido na licença de operação, os ares nas imediações da companhia seguem malcheirosos. O odor forte assemelha-se àquele que se tornou familiar aos consumidores de água da Capital, e é percebido com mais intensidade por quem vive no entorno.
– Em dias de vento mais forte, não dá para aguentar. Dá para sentir até do ônibus – reclama Celi Siqueira, que mora a poucas quadras da Cettraliq.
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Moradora da região há 60 anos, ela disse não ter percebido melhora no sabor e no cheiro da água desde a interrupção das atividades da central que trata efluentes industriais. Desde que começou a sentir as alterações, meses atrás, tem comprado água mineral para tomar, cozinhar e preparar o café. Não foi a única a mudar a rotina por causa da percepção desagradável.
A aposentada Ida Therezinha Müller, que também vive na região há décadas, já tinha como rotina investir em água mineral para beber, mas apenas há alguns meses forçou-se a usá-la para outras atividades. Ela diz não lembrar de nenhuma mudança tão intensa e duradora na qualidade da água, mas percebeu uma leve melhora nas condições do líquido nos últimos dias. Desde segunda-feira, voltou a usar a água da torneira para cozinhar.
– Melhorou um pouco o cheiro, e então voltei a usar para algumas coisas. Antes não dava nem para lavar a roupa, que já saía fedendo. Dizem que está boa para tomar também. Então, tomem – rebateu.
Desde que os primeiros consumidores perceberam as alterações na água, há três meses, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), que fez alterações no tratamento para tentar amenizar o cheiro e o sabor incômodos, reforça que o líquido atende aos padrões de qualidade exigidos pelo Ministério da Saúde. A causa do problema ainda não foi esclarecida.
Em nota, a Fepam justificou o mau cheiro persistente na região dizendo que a empresa, embora não esteja em atividade, "ainda possui efluentes na estação de tratamento".
Para a Cettraliq, a continuidade do cheiro mostra que a empresa não tem relação com o problema. Sobre ainda ter efluentes na estação de tratamento, a empresa informa que tem tanques cheios de efluentes tratados em suas instalações, e que o monitoramento que faz não tem demonstrado qualquer relação entre esses materiais e o odor das redondezas.
– Se não estamos operando, não estamos fazendo nenhuma atividade e o cheiro persiste, então simplesmente o cheiro não é nosso – garante José Carlos Bignetti, engenheiro químico e consultor da Cettraliq.
Especialistas levantam hipótese sobre odor persistente
Desde quarta-feira passada, a Cettraliq, que trata efluentes líquidos de cerca de 1,5 mil clientes e despeja o resultado do processo na casa de bombas da Trensurb, a dois quilômetros do ponto de captação do Dmae, está proibida de receber, tratar e lançar resíduos. Após a interrupção das atividades da companhia, o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) efetuou a limpeza de redes e bocas de lobo nas imediações. O odor persistente nessas condições pode ser explicado por diferentes fatores, segundo especialistas.
Para o engenheiro químico Tiago Centurião, do Instituto de Pesquisas Hidrológicas (IPH) da UFRGS, a persistência de resíduos nas bombas da empresa, lacradas pela Fepam, tende a ser uma das responsáveis pelo cheiro que extrapola os limites da Cettraliq.
– Se tiver algo dentro do tanque que possa emitir odores, não adianta apenas interromper as atividades da empresa. Teria de ser feito um esvaziamento, a limpeza dos tanques e o encaminhamento desses líquidos para o destino adequado – explica.
Na semana passada, a central de tratamento de efluentes pediu à Fepam que deslacrasse as bombas para "realizar operações internas, como reciclagem e tratamento de efluentes", que, segundo a empresa, poderiam causar odores. O órgão ambiental rejeitou o pedido por "falta de justificativas técnicas" e disse que uma nova solicitação está sendo analisada pelos técnicos da Fepam.
O acúmulo de resíduos, no entanto, pode ser apenas uma das respostas para o odor impregnado no ar. Para Fernando Spilki, especialista em análise microbiológica da água, ele também pode estar vindo do Guaíba. E, nesse caso, o esvaziamento e a limpeza dos tanques da Cettraliq não serão suficientes para garantir que o cheiro desagradável se dissipe.
– Dependendo da alteração que essa descarga de resíduos provocou no ecossistema, pode levar um tempo até o corpo hídrico se recuperar. Isso pode ser semanas ou até meses. O ambiente tem de remediar – disse.