O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou no Senado nesta quinta-feira (14) que Israel viola o direito humanitário internacional ao não permitir a entrada de suprimentos e alimentos na Faixa de Gaza.
— Sem sombra de dúvida, o bloqueio à ajuda humanitária no contexto atual de fome e falta de insumos médicos em Gaza consiste em uma violação do direito internacional — afirmou o chanceler brasileiro.
Ele também acrescentou que “o governo do primeiro-ministro de Israel (Benjamin Netanyahu) continua dificultando sistematicamente a entrada de caminhões com ajuda humanitária nas fronteiras com Gaza”.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), crianças estão morrendo de fome no norte do enclave.
Mauro Vieira foi ao Senado a convite do presidente da Comissão de Relações Exteriores, senador Renan Calheiros (MDB-AL), para falar sobre a relação entre Brasil e Israel, abaladas após as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o governo de Tel Aviv pratica um genocídio contra o povo palestino. As relações pioraram depois que Lula comparou às ações em Gaza aquelas de Hitler na 2ª Guerra Mundial.
Na fala inicial à comissão, o ministro disse que se estima que mais de 15 mil toneladas de suprimentos de ajuda humanitária internacional aguardam aprovação do governo de Israel para entrar em Gaza, sendo mais da metade dessa carga de alimentos.
— O que podemos fazer, e continuaremos a fazer na nossa linha atual, é denunciar a decisão unilateral israelense de bloquear recorrentemente a entrada de ajuda humanitária e seguir trabalhando com os países vizinhos e os organismos internacionais em favor da abertura de corredores humanitários — disse.
Mauro Vieira confirmou que parte da ajuda humanitária enviada pelo Brasil para Gaza, composta 30 por purificadores de água, foi retida pelas forças israelenses. Ele disse que não sabe o motivo da proibição da entrada desses purificadores.
— Há indicações informais de que (o motivo) decorreria do fato de que os purificadores de água sejam movidos à energia solar e contarem com kits fotovoltaicos.
Fala de Lula
O ministro Mauro Vieira também comentou a fala do presidente Lula, que teve ampla repercussão no Brasil, quando ele comparou, em viagem à Etiópia, a ação militar em Gaza ao Holocausto contra os judeus praticado pela Alemanha nazista. Segundo ele, a fala foi em um contexto de destruição de Gaza, com seus mais de 31 mil mortos, sendo 70% de mulheres e crianças, e de violações do direito internacional.
— É nesse contexto de profunda indignação que se inserem as declarações do presidente Lula. São palavras que expressam a sinceridade de quem busca preservar e valorizar o valor supremo que é a vida humana — afirmou.
Mauro Vieira ainda lamentou que a diplomacia de Israel “tenha se dirigido de forma desrespeitosa a um chefe de Estado de um país amigo” e que as autoridades de Tel Aviv foram informadas que o Brasil “reagirá com diplomacia sempre, mas com toda a firmeza a qualquer ataque que receber, agora e sempre”, acrescentando que está “seguro de que as relações do Brasil com Israel e nossa amizade com o povo israelense sobreviverão ao comportamento do atual governo de Israel”.
O ministro Mauro Vieira lembrou ainda que o Brasil condenou o ataque do Hamas contra Israel, considerada uma ação terrorista pelo governo brasileiro, mas acrescentou que Israel faz uso desproporcional da força.
— Israel tem o direito de defender sua população, mas isso tem de ser feito dentro de regras do direito internacional. A cada dia que passa, no entanto, resta claro que a reação de Israel ao ataque sofrido tem sido extremamente desproporcional e não tem como alvo somente aqueles responsáveis pelo ataque, mas todo o povo palestino — disse.
Em relação ao atual conflito, o ministro destacou que o Brasil defende a solução de dois Estados, com fronteiras reconhecidas internacionalmente, e que, por isso, lamenta declarações recentes de autoridades de Tel Aviv.
“Não podemos fazer outra coisa senão o diálogo”, diz Vieira sobre a Venezuela
O chanceler adotou a escusa da não intervenção em assuntos internos de outros países, ao responder sobre a crise política na Venezuela. Vieira foi questionado pelos senadores sobre o agendamento de eleições, para 28 de julho, pelo governo do ditador Nicolás Maduro, e sobre a relação política próxima do presidente Lula com ele e outros líderes autoritários.
— Não podemos fazer outra coisa senão o diálogo — disse o ministro. — Nossa posição é continuar o diálogo.
O ministro afirmou ter considerado “fundamental” e “importantíssimo” a convocação das eleições presidenciais, que segundo ele foi fruto de diálogo de bastidores e pressão inclusive do governo brasileiro. Vieira disse que esses contatos e cobranças continuam, mas que precisam ser feitos em sigilo, pela prática diplomática.
Segundo Vieira, o País não pode intervir na legislação interna venezuelana, que não prevê uma data fixa para o pleito nacional como no Brasil, mas um prazo para que sejam convocadas pelo Executivo. Portanto, disse ele, o regime chavista teria atendido ao critério.
Depois de ajudar na reabilitação internacional de Maduro, Lula disse ter ficado feliz com a convocação fora do calendário de praxe, mas dentro do previsto por um acordo com a oposição assinado em 2023, em Barbados, mas que vem sendo desrespeitado parcialmente pelo governo. O regime chavista inabilitou os principais nomes da oposição - entre eles a vencedora das primárias María Corina Machado - e prendeu lideranças da campanha eleitoral da direita, além de ter expulsado funcionários do escritório de direitos humanos da ONU, cassado o sinal de uma TV alemã por conteúdo crítico ao governo e de ter detido a ativista Rocío San Miguel. Mesmo assim, o presidente Lula disse que era necessário aguardar se as eleições serão mesmo livres e justas, e que é necessário dar “presunção de inocência” a Maduro e seus aliados no poder. Ele sugeriu que a oposição deveria escolher outro candidato, “em vez de ficar chorando”.
— Nos preocupamos muito e queremos apoiar para que haja eleições justas, transparentes, abertas e aceitas por todos — disse o chanceler, que também citou o caso de Corina e San Miguel. — O governo tomou conhecimento, informamos ao presidente. Nós não podemos e não devemos interferir internamente em nenhum país como nunca fizemos, não dizemos, não ensinamos a ninguém o que deve fazer. Esperamos que possa haver um entendimento também e para isso participamos em todas as iniciativas de diálogo e continuamos apoiando o acordo de Barbados. O importante é manter interlocução para buscar soluções aceitáveis.
Novo acordo com Paraguai sobre Itaipu
O ministro disse aos senadores que os governos do Brasil e do Paraguai ainda não começaram na prática a discutir as novas regras de compra e venda da energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu Binacional. A revisão do chamado Anexo C, que estabelece os parâmetros, está prevista desde o ano passado, quando se quitou o valor de construção da usina, dentro do prazo previsto. O governo criou um comitê para avaliar a revisão. Segundo o ministro, os governos se concentram agora na discussão da tarifa de energia praticada anualmente. O valor é sempre acordado a cada ano. O Brasil quer manter o valor mais baixo praticado desde o ano passado, cerca de US$ 16, ou reduzir, enquanto o Paraguai exige elevar. Assunção chegou a bloquear o orçamento da empresa temporariamente, como forma de pressionar Brasília a aceitar um valor próximo dos US$ 20.
Vieira afirmou que o foco deve ser a sustentabilidade da produção de energia pela empresa e o barateamento do custo aos consumidores brasileiros e paraguaios.