Disposto a tentar uma reaproximação com o agronegócio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende lançar um pacote de medidas para o setor. Lula deseja abrir mercados, elevar preço mínimo e ampliar seguro agrícola como forma de reduzir arestas com o campo, considerado um dos ramos econômicos menos alinhados ao governo. A ideia é conciliar o incremento das políticas públicas com a realização de eventos privados, convidando lideranças ruralistas para jantares e churrascos no Palácio da Alvorada e na Granja do Torto.
As primeiras propostas foram discutidas nesta quinta-feira (14), em reunião de Lula com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Carlos Fávaro (Agricultura), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto. O objetivo é anunciar em breve tudo que não precise passar por aprovação do Congresso.
Lula entende que a convicção ideológica de alguns produtores rurais, majoritariamente aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, superou interesses econômicos da categoria. A partir desse diagnóstico, quer demonstrar que seu governo tem iniciativas mais robustas que o antecessor, a despeito das desconfianças mútuas.
O primeiro aceno do petista virá com visitas ao Centro-Oeste, região que representa a força motriz do agronegócio e maior enclave do bolsonarismo rural no país. Nas próximas semanas, Lula irá ao Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e a Goiás. Nesta semana, Lula inaugurou uma fábrica de fertilizantes em Minas Gerais e, nesta sexta-feira (15), cumpre agenda no Rio Grande do Sul, dois Estados com forte participação da produção primária na economia.
Para amplificar o diálogo com o campo, Lula acionou o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Senador licenciado e expoente da bancada ruralista, Fávaro é ex-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso.
Na segunda-feira, Lula teve duas audiências com o ministro e Edegar Pretto. O presidente pediu a Pretto sugestões de iniciativas para melhorar o preço mínimo dos alimentos e estimular o agro a plantar especialmente arroz e feijão, cuja área plantada vinha diminuindo até o ano passado.
A sugestão do presidente da Conab é oferecer aos produtores contratos de compra futura, com preço mínimo garantido. Se o agricultor não conseguir valor melhor no mercado, tem a segurança de que a produção será adquirida pelo governo. Essa ferramenta poderá ser regionalizada, incentivando o plantio de outras culturas.
Nossa pauta é abrir mercado, dar incentivo e produzir com sustentabilidade. E para isso o presidente vai fazer mais encontros descontraídos com a cadeia produtiva.
CARLOS AUGUSTIN
Assessor especial do Ministério da Agricultura
A Fávaro, Lula pediu que rode o país divulgando ações do governo e convidando lideranças políticas e empresariais para churrascos em Brasília.
A missão também foi delegada a auxiliares com laços estreitos no setor, como o secretário nacional de Política Agrícola, o ex-ministro da Agricultura Neri Geller, e o assessor especial da pasta Carlos Augustin. Gaúcho radicado há 40 anos no Mato Grosso e um dos maiores produtores de semente de soja do país, Augustin é um dos principais interlocutores do governo com o setor.
— Nossa pauta é abrir mercado, dar incentivo e produzir com sustentabilidade. E para isso o presidente vai fazer mais encontros descontraídos com a cadeia produtiva. Foi de um encontro assim que surgiu a demanda por uma maior abertura da China à carne brasileira e nesta semana anunciamos a liberação de exportação a 38 novos frigoríficos brasileiros — conta Augustin.
Farsul reclama de insegurança jurídica
Vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e à frente da Federação da Agricultura do RS (Farsul), Gedeão Pereira admite que a relação com o governo não é tranquila e que políticas públicas não bastam para diminuir a rejeição de Lula entre os produtores. Pereira reclama da insegurança causada por medidas como o marco temporal e ameaças de invasões de terras pelo MST. Ele reivindica ainda uma participação maior do governo nos financiamentos com juros subsidiados e ao menos R$ 3 bilhões de aporte em seguro agrícola.
— Os governos Temer e Bolsonaro deram segurança jurídica ao campo, mas o PT tem dificuldade histórica de lidar com o agro. Agridem o direito de propriedade, nosso calcanhar de Aquiles. Tivemos bom relacionamento no primeiro mandato de Lula, com recursos e diálogo, mas hoje temos sérias dúvidas sobre suas intenções — afirma Pereira.
Tivemos bom relacionamento no primeiro mandato de Lula, com recursos e diálogo, mas hoje temos sérias dúvidas sobre suas intenções.
GEDEÃO PEREIRA
Presidente da Farsul
O entendimento é semelhante no Congresso, onde a bancada ruralista contabiliza cerca de 300 deputados e 50 senadores. Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado Pedro Lupion (PP-PR) celebra a intenção do governo de se aproximar do setor, mas reclama de ataques vindos de Lula, como quando o presidente referiu-se a parte do agronegócio como “fascista”:
— O governo tem de descer do palanque e começar a governar. Se estão preocupados com apoio político em vez de solucionar gargalos, fica difícil ter boa relação. Há uma crise no setor de médio e longo prazo, e a solução é arrolar dívida, perdoar financiamentos, resolver custeio, tirar juro das operações. Óbvio que tem um componente ideológico forte dos dois lados, mas tudo que for positivo para o setor é extremamente bem-vindo.
No Planalto, a importância que Lula dá à reaproximação com o campo é tamanha que o pacote vem sendo chamado de PAC do Agro. Há conversas avançadas, por exemplo, para o lançamento de um seguro agrícola paramétrico, modelo que leva em consideração parâmetros meteorológicos e protege o segurado de eventos climáticos adversos, hoje principal causa de perdas nas lavouras. O governo, contudo, sabe que a conquista de apoio no agronegócio é limitada e não pretende dialogar com extremistas.
— Nós trabalhamos por política pública. Eu mesmo digo aqui que não devemos fazer um governo ideológico de esquerda. Mas não vamos rezar para pneu, nem dizer que a terra é plana. Não há concessão a fazer sobre o racional e o bom senso. Lula nunca foi contra a propriedade privada, e o problema do agronegócio não é índio nem sem-terra — afirma Augustin.