Se ali adiante vier a colher tempestades pela interferência nas estatais e até na Vale, que foi privatizada no governo Fernando Henrique Cardoso, o presidente Lula não poderá se queixar ou dizer que a culpa é da mídia. Quem semeia vento sabe que o risco é colher furacões, ciclones e outros fenômenos com alto poder de destruição.
O presidente da República comporta-se como senhor do raio e do trovão, ignorando que os tempos são outros: muita coisa mudou depois dos seus dois primeiros mandatos, a começar pela existência de uma Lei das Estatais que ele quer modificar para permitir a indicação de políticos para a diretoria. Essa lei foi um dos principais acertos do governo de Michel Temer, para o qual o PT torce o nariz por ele ter conspirado contra a ex-presidente Dilma Rousseff.
O fato de Temer haver se associado a Eduardo Cunha para derrubar a presidente em 2016 não lhe tira o mérito de ter bancado a Lei das Estatais. Aprovada pelo Congresso como uma espécie de escudo contra a indicação de tipos como José Janene e Paulo Roberto Costa, ambos falecidos, para ficar em dois exemplos nefastos de diretores indicados para o comando da Petrobras por partidos aliados de Lula, no seu primeiro governo, e personagens centrais do chamado petrolão.
Pois Lula trabalha desde a posse pela mudança na Lei das Estatais, apoiado por aliados sedentos de poder. Como se os desvios na Petrobras não tivessem sido fartamente comprovados, brinca com fogo ao tentar reabrir a porta das estatais para as indicações políticas na diretoria executiva.
O tema da hora são as indicações para os conselhos de administração das estatais, outro ponto sensível na gestão de qualquer empresa. Conselheiro não é para homologar decisões do Executivo, muito menos para engordar contracheques de apadrinhados. O papel do conselheiro é (ou deveria ser) aconselhar nos investimentos estratégicos, identificar possibilidades de avançar na gestão, garantir que um olhar estrangeiro detecte um iceberg (ou uma neogicata) no caminho da empresa.
A tentativa de emplacar o ex-ministro Guido Mantega como CEO da Vale, uma empresa privatizada há um quarto de século, semeou a desconfiança no mercado. A renúncia de um conselheiro independente e os argumentos usados para explicar a saída prematura atraíram o foco para manobras que seguiam na penumbra.
Agora, com o imbróglio dos dividendos da Petrobras, observa-se mais uma vez o popular "sinais exteriores de lambança, com as brigas políticas interferindo na gestão da estatal".
Aliás
Assim como não se deve abrir a porteira para a volta das indicações políticas nas estatais, que favorecem a corrupção, é preciso proteger as agências reguladoras. Criadas para proteger os usuários de serviços públicos concedidos, agências são instituições de Estado e, por isso, seus conselheiros devem ter mandato fixo e independência para atuar.