A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (13) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte de drogas, endurecendo a legislação atual. O texto inclui na Constituição que tanto o consumo quanto a venda de drogas são igualmente crimes — apesar de o tratamento de cada um poder ser diferente. Por 23 votos a quatro, a proposta foi aprovada na CCJ e segue agora para o plenário do Senado.
O relator da proposta é o senador Efraim Filho (União-PB), que alterou o texto para distinguir traficante e usuário, determinando penas alternativas a esse último. Efraim Filho defendeu na sessão desta quarta-feira que a discussão sobre a criminalização ou descriminalização das drogas deve acontecer no Congresso Nacional, e não no Supremo.
O projeto é uma resposta do Congresso Nacional ao Supremo Tribunal Federal (STF), que caminha para descriminalizar a posse de pequenas quantidades de maconha. Na última semana, a Corte retomou o julgamento que discute se o porte para consumo próprio – e os critérios para essa definição — deve ou não ser considerado crime. A sessão foi suspensa em razão do pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Dias Toffoli. Ainda não há data para o tema ser retomado pelo Supremo. Até o momento, o placar está 5 a 3 para descriminalizar o porte apenas da maconha para consumo próprio.
A Lei de Drogas (Lei 11.343, de 2006), que está em vigor atualmente, determina punição com medidas educativas e prestação de serviços à comunidade para quem adquirir, guardar e transportar maconha e outras drogas "para consumo pessoal". No placar do Supremo, os cinco votos são para declarar inconstitucional a criminalização do porte de maconha para o uso pessoal. Os outros três votos dos ministros consideram válida a regra da Lei de Drogas.
O que é a PEC 45/2023
A PEC foi apresentada em setembro do ano passado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A proposta foi uma resposta à retomada da votação por parte do STF sobre o tema, que está em análise desde 2015 na Suprema Corte.
A PEC insere no artigo 5º da Constituição Federal que "a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
O objetivo é reforçar, na lei, o entendimento de que é crime portar entorpecentes, em qualquer quantidade, mesmo que o entendimento do Supremo seja diferente ao final das discussões dos ministros.
A proposta também prevê que deve ser feita uma "distinção entre o traficante e o usuário, aplicáveis a esse último penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência".
Ao mudar o texto da Constituição, os parlamentares estabelecem uma regra que está em nível superior ao de uma lei. Ou seja, a legislação sobre drogas terá de obedecer ao que está previsto na Carta Magna. Até então, o tema é tratado apenas em leis infraconstitucionais.
Opinião de juristas
Para elucidar quais seriam as consequências de um possível endurecimento da legislação por parte do Senado, contrapondo-se ao rumo que a maioria no STF está adotando até o momento, GZH conversou com juristas sobre o que pode ocorrer caso haja um choque de decisões.
De acordo com o decano do curso de Direito da Unisinos, Miguel Tedesco Wedy, a última palavra sempre será do Supremo, a quem cabe apreciar, caso provocado, se uma norma é constitucional ou não. Segundo o jurista, a decisão do Senado pode se contrapor ao que está sendo deliberado no STF; porém, caso a inconstitucionalidade da norma seja levantada, o STF terá que se manifestar.
— E, ao se manifestar, fará a mesma discussão que está fazendo agora, discutindo se a posse de uma quantidade absolutamente insignificante de substância entorpecente afeta ou não algum bem jurídico e o princípio da ofensividade penal. A PEC 45/2023 é um ato de demagogia política, próprio dos tempos atuais. No caso, a constitucionalidade da proposta é discutível, pois pode afetar a liberdade individual e a Constituição veda proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais (art. 60, parágrafo 4). Aliás, a proposta quer alterar o art. 5 da CF/88, que trata de cláusulas pétreas, dispositivos constitucionais considerados imutáveis — explica Wedy.
Conforme o jurista, inicialmente, a proposição criminalizava a posse e o porte de entorpecentes independentemente da quantidade, sem diferenciar tráfico e uso de drogas. No entanto, nesta quarta-feira, Efraim Filho fez uma consideração para que haja uma diferenciação entre usuário de drogas e traficante. Wedy ressalta que, atualmente, a Lei nº 11.343/06 já pune a posse para uso pessoal e o tráfico.
— Na prática, mesmo se aprovada, não alteraria o poder de cada juiz decidir, no caso concreto, se a posse de uma quantidade absolutamente insignificante de substância entorpecente violaria ou não o princípio da ofensividade penal — completa o decano.
Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, o especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional e professor da Uniritter Eduardo Guimarães Brandão diz que o que está em discussão é se o Estado tem ou não a autorização para criminalizar qualquer conduta, pois existem limites constitucionais.
— É importante delimitar essa questão, pois o Estado pode decidir, por exemplo, criminalizar o álcool. O princípio da ofensividade trata justamente disso: só são passíveis de punição por parte do Estado as condutas que lesionem ou coloquem em perigo um bem jurídico penalmente tutelado — emenda Brandão.
Na visão do especialista, se a PEC 45/2023 passar na forma como está, não terá efeito prático na decisão do STF. Ele ainda cita que a proposição funciona como uma "retaliação" do Congresso Nacional ao que está sendo discutido no Supremo acerca da descriminalização da posse de entorpecentes.
— Há uma disputa de poder clara entre o Congresso e o STF, pois os congressistas acusam a Corte de invadir competências do Legislativo. Do ponto de vista técnico, não há invasão de competência, pois o STF tem essa tarefa — pontua.
Como exemplo, Brandão relembra o que ocorreu durante as discussões sobre a constitucionalidade da vaquejada — uma atividade cultural do Nordeste, na qual dois vaqueiros montados a cavalo têm de derrubar um boi, puxando-o pelo rabo. Em outubro de 2016, o Supremo julgou inconstitucional a prática por, na visão da Corte, submeter os animais à crueldade.
No entanto, em junho de 2017, o Senado aprovou PEC 50/2016, acabando com os entraves jurídicos para a realização dessa atividade no Brasil. A matéria segue em discussão no Supremo com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5728, que questiona a Emenda Constitucional (EC) 96/2017, que considera como não cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais.
— Só teríamos um efeito prático na legislação com uma lei ordinária que reformasse o artigo 28 da Lei de Drogas — ressalta o especialista.
Brandão acredita que os próximos passos seguirão a seguinte ordem: o STF descriminaliza a posse de entorpecentes, o Legislativo aprova a PEC 45/2023, o Supremo levanta a inconstitucionalidade da PEC e haverá novos questionamentos.
— O Congresso não está atacando o Judiciário, está trazendo uma vertente ideológica para as discussões — finaliza.
O que precisa para aprovação
Após ser aprovada na CCJ, a PEC ainda será votada em dois turnos no Plenário do Senado. A PEC precisa ser aprovada com três quintos dos votos da Casa, ou seja, 49 de 81 senadores. Caso obtenha a quantidade mínima, a proposta segue para a Câmara dos Deputados onde passará por uma nova discussão e terá que ser aprovada em plenário por 308 deputados antes de seguir para sanção presidencial.
Quais são os possíveis efeitos das decisões
Uma decisão do STF deverá passar pela chamada "modulação de efeitos" dos próprios ministros. A modulação fixa o alcance da decisão do plenário ao longo do tempo.
Se o Congresso aprovar a mudança na Constituição, ela também deve valer para o futuro, ou seja, para os casos posteriores à sua entrada em vigor. É possível também que a emenda elaborada pelos parlamentares seja também questionada no Supremo, e o caso volte ao debate na Corte.
Descriminalizar x legalizar
Legalizar significa definir regras, como condições e restrições, para determinado tipo de conduta. O consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo, é legalizado, prevendo cobrança de tributos e proibição de venda a menor de idade. Descriminalizar, por sua vez, quer dizer deixar de prever punição do ponto de vista criminal. A prática do grafite, por exemplo, deixou de ser crime em 2011.
Produção: Leonardo Martins