O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do 8 de Janeiro, deputado Arthur Maia (União-BA), confirmou para esta terça-feira (17), a partir das 9h, a leitura do relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), assim como dos votos em separado a serem apresentados por parlamentares de oposição. São cerca de 900 páginas, resultado de quatro meses e meio de investigações feitas com base em depoimentos de testemunhas e na análise de centenas de documentos. Como é certo que haverá pedidos de vista, já há um acordo para que a votação do relatório final ocorra na quarta-feira (18).
Trabalhando desde o final de maio, a CPI colheu 20 depoimentos. Compareceram ao colegiado os generais Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Gonçalves Dias, que também comandou o GSI no dia dos ataques às sedes dos três poderes, além do coronel Jean Lawand, que apareceu em troca de mensagens telefônicas com o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, coronel Mauro Cesar Cid, defendendo intervenção militar após as eleições de 2022, além do próprio Cid.
Nomes que integraram a cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), a quem cabia a segurança na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, também estiveram na CPI, como os coronéis Jaime Naime e Fabio Vieira.
A CPI também ouviu o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, George Washington e Wellington Macedo, condenados por planejarem a explosão de um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília no final de 2022, e o hacker Walter Delgatti, entre outros.
Principais depoimentos
Anderson Torres
Ouvido na comissão em 8 de agosto, o ex-secretário de Segurança do Distrito Federal Anderson Torres defendeu que a responsabilidade pelo número de policiais na Esplanada dos Ministérios no dia 8 de janeiro era da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Torres argumentou que a Secretaria de Segurança era responsável pelo planejamento da operação, e não a execução.
— O que o protocolo colocou para a Polícia Militar, a PM tem que cumprir; o que o protocolo colocou para a Polícia Civil, a Polícia Civil tem que cumprir. Meios, efetivos, número de homens, é com cada instituição — explicou o ex-secretário.
Ele relatou ainda que a minuta golpista, apreendida na casa dele pela Polícia Federal no dia 10 de janeiro, é uma "aberração jurídica" e que não foi descartada por descuido.
— A polícia encontrou um texto apócrifo, sem data, uma minuta absurda, uma verdadeira aberração jurídica e não foi ao lixo por descuido — declarou de maneira enfática.
Augusto Heleno
Interrogado na comissão em 26 de setembro, o general Augusto Heleno também tinha autorização do STF para se recusar a responder questionamentos que pudessem incriminá-lo. Mesmo assim, falou à CPI. Ele classificou como "ordeiro e pacífico" o acampamento de bolsonaristas em frente ao Comando Geral do Exército, em Brasília.
— Eu nunca fui ao acampamento. Não por falta de tempo, mas por falta de condições de participar do que realizavam no acampamento que, pelo que sabia, eram atividades extremamente pacíficas e ordeiras. E nunca considerei o acampamento algo que interessasse à segurança institucional. Sempre achei que era uma manifestação política pacífica — disse o general.
Ele classificou ainda como "fantasia" a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, que relatou à Polícia Federal detalhes de uma suposta reunião do então presidente Jair Bolsonaro com a cúpula das Forças Armadas para discutir a possibilidade de um golpe de Estado que teria o objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
— Não existe um ajudante de ordens sentar numa reunião com comandantes das Forças. Isso é fantasia — disse Heleno.
Durante o depoimento, o general se irritou com questionamentos da relatora Eliziane Gama. A senadora havia questionado se ele considerava que houve fraude no resultado das eleições de 2022. Confira no vídeo abaixo:
Delgatti Neto
O hacker Walter Delgatti Neto, conhecido por ter acessado e divulgado diálogos de membros da Operação Lava-Jato, prestou depoimento à CPI do 8 de Janeiro no dia 17 de agosto. Delgatti está preso preventivamente. Ele é investigado por suposta invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com inserção de documentos e alvarás de soltura falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).
O hacker disse à CPI que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) lhe ofereceu um indulto (perdão da pena) para que violasse medidas cautelares da Justiça e invadisse o sistema das urnas eletrônicas para expor supostas vulnerabilidades. As falas foram consideradas as mais graves colhidas pela comissão.
Ele disse também que recebeu uma encomenda de Bolsonaro e de sua equipe de campanha, no dia 8 de agosto de 2022, para manipular o código-fonte da urna eletrônica. O plano, segundo ele, era adulterar o programa para que fosse feita uma demonstração pública, a fim de desqualificar o sistema eleitoral brasileiro.
O hacker revelou que fez ainda uma invasão aos sistemas internos (intranet) do Judiciário. Questionado pela relatora da CPI, deputada Eliziane Gama (PSD-MA), sobre o motivo da invasão, Delgatti afirmou que, como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes dizia que o sistema era inviolável, seria uma forma de desmoralizar a Justiça brasileira.
Delgatti também protagonizou um embate com o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, atualmente senador pelo União Brasil. Moro tentou desqualificar o depoimento do hacker, citando passagens dele pela polícia, ao que Delgatti reagiu chamando o ex-juiz de "criminoso". Veja vídeo:
Mauro Cid
Após ler uma fala de introdução na CPI, o tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, afirmou que não responderia às perguntas dos deputados e senadores, com base na orientação de seus advogados. Um habeas corpus permitia que ele não respondesse questionamentos que pudessem incriminá-lo.
— Por orientação da minha defesa e com base no habeas corpus concedido a meu favor pelo Supremo Tribunal Federal, farei uso do meu direito constitucional ao silêncio — disse.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro é investigado em oito inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Polícia Federal (PF). Uma das investigações apura a participação do militar nos atos golpistas do início deste ano.
Silvinei Vasques
O ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, foi o primeiro a ser interrogado na CPI sobre os atos antidemocráticos. Em sessão que começou tensa, o policial aposentado disse não ser verdade que a instituição direcionou sua fiscalização para o Nordeste durante o segundo turno das eleições de 2022 para beneficiar qualquer candidato à presidência da República.
Ao ser questionado pela relatora Eliziane Gama (PSD-MA) sobre a sua proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-diretor da PRF disse que nunca teve "relação íntima" com o ex-presidente. Silvinei é investigado pela Justiça do Rio de Janeiro por improbidade ao pedir voto em Bolsonaro nas eleições de 2022 e foi exonerado do cargo em dezembro daquele ano.