Investigado por suposta omissão ante os atos golpistas de 8 de janeiro, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres afirmou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que nem lembrava da minuta golpista encontrada em sua casa após o 8 de janeiro, sob um porta-retrato seu ao lado da mulher. Segundo Torres, o local onde estava o documento "não teve a menor importância".
— É tudo uma loucura o que está escrito nessa pseudominuta — afirmou.
O ex-ministro ainda disse à Corte eleitoral que teve de se defender da série de ataques perpetrados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que não via nenhuma consequência das suas condutas à Constituição ou ao processo eleitoral.
— O ex-presidente sempre foi muito claro em relação às dúvidas que ele tinha — indicou.
A ponderação, no entanto, vai de encontro à avaliação do TSE sobre o caso.
Bolsonaro foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação em razão da reunião em que, diante de embaixadores, ele atacou as urnas eletrônicas. No julgamento concluído no último dia 30, a Corte destacou a influência das declarações do ex-presidente sobre uma escalada de eventos que culminou na intentona golpista registrada no dia 8 de janeiro.
As declarações de Torres constam de depoimento prestado por ele no bojo da ação de investigação judicial eleitoral que deixou Bolsonaro inelegível até 2030. Parte das oitivas realizadas no bojo da apuração foram mantidas em sigilo até o desfecho do processo, que ocorreu na semana passada.
O aliado de Bolsonaro foi perguntado sucessivamente sobre a live em que, em 2021, o ex-chefe do Executivo, a seu lado, atacou as urnas eletrônicas. Na ocasião, o ex-presidente começou a divulgar um inquérito da Polícia Federal sobre um ataque hacker aos sistemas internos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2018, sem impacto no pleito daquele ano. Bolsonaro usou o documento para atacar as urnas eletrônicas.
A PF chegou a ver crime de Bolsonaro e do deputado Filipe Barros, que presidiu Comissão sobre o voto impresso na Câmara, em razão de divulgação de investigação sigilosa. Ao TSE, Torres disse que Barros foi até o Ministério da Justiça para reclamar do inquérito, no sentido de que ele tinha que ter andado, ter progredido.
Torres disse que participou da live apenas lendo trechos de um relatório do TSE sobre o sistema eletrônico de votação. O ex-ministro afirmou que não tinha documentos da PF sobre denúncia de fraude à eleição.
— A Polícia Federal nunca apresentou o resultado de alguma investigação que concluísse que existia fraude na eleição — apontou.
O documento voltou a ser citado por Bolsonaro na reunião em que o ex-presidente, diante de embaixadores, reiterou as alegações sem provas sobre a urna eletrônica. O encontrou foi pivô da condenação do ex-presidente por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
O ex-ministro da Justiça também falou sobre seu relacionamento com Bolsonaro. Disse que, no período da eleição, era praticamente impossível encontrar o então presidente.
— Ele ficou por conta da eleição. A gente tinha grande dificuldade até de despachar os temas do governo, porque era difícil encontrá-lo — destacou.
Depois de sair derrotado das urnas, o ex-presidente entrou em um processo introspectivo, sustentou o ex-ministro da Justiça.
— Ele ficou bastante isolado, fazendo esse tratamento. Acho que passando por um processo ali até de, eu diria, de aceitação do processo, de recuperação dessa doença — registrou.
Parte do teor da fala de Torres sobre a doença de Bolsonaro foi suprimida do depoimento, por estar sob segredo de Justiça.