O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin negou, na segunda-feira (25), pedido do general da reserva Augusto Heleno para não comparecer ao depoimento marcado para esta terça-feira (26) na Comissão Parlamentar Inquérito (CPI) sobre os Atos Golpistas.
Heleno ocupou o cargo de ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e foi convocado pela CPI para ser ouvido na condição de testemunha.
Na decisão, Zanin afirmou que, de acordo com a jurisprudência da Corte, as CPIs têm poderes de investigação.
— Considerando que a convocação de Augusto Heleno Ribeiro Pereira, paciente, refere-se a depoimento na condição de testemunha, devendo ele manifestar-se sobre os fatos e acontecimentos relacionados ao objeto da CPI de que tenha conhecimento — assegurada, no entanto, a garantia de não autoincriminação — decidiu o ministro.
Apesar de rejeitar pedido para o general deixar de comparecer, o ministro garantiu a Augusto Heleno direito ao silêncio para não responder a perguntas que possam incriminá-lo, além de ser assistido por um advogado.
A defesa alegou no Supremo que a condição do general é "obscura", e o ex-ministro pode ser tratado como investigado pela comissão.
— Há evidente desvio de finalidade na convocação do paciente para depor como testemunha perante comissão quando inúmeros são os indicativos de que o paciente figura, em realidade, na condição de investigado, eis que a todo momento lhe é equivocadamente imputada suposta participação nos fatos que ensejaram a CPI — afirmaram os advogados.
No requerimento para que a CPI colhesse o depoimento do general, a relatora Eliziane Gama (PSD-MA) considerou que, "em razão de sua posição de então ministro do Gabinete de Segurança Institucional", Heleno pode apresentar "informações de enorme valia para a condução dos nossos futuros trabalhos na presente comissão".
A senadora Ana Paula Lobato (PSB-MA), por sua vez, destacou em requerimento que é "necessário que o depoente esclareça, entre outras coisas, seu envolvimento direto ou indireto em fatos que possuam nexo de causalidade na tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro de 2023".
Heleno era chefe do GSI durante suposta reunião golpista com as Forças Armadas
Segundo vazamentos da delação premiada de Mauro Cid, o ex-presidente Jair Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas para discutir a possibilidade de uma intervenção militar para anular o resultado da eleição de 2022, quando Lula foi escolhido para a Presidência. Heleno era chefe do GSI e aliado próximo de Bolsonaro à época e seu depoimento foi marcado logo depois da revelação. Os parlamentares da CPI devem apurar o possível envolvimento dele na ocasião.
GSI de Heleno recebeu golpistas
Em requerimento de convocação do ex-chefe do GSI, os deputados Rubens Pereira Júnior (PT-MA) e Rogério Correia (PT-MG) apontam uma reportagem do portal Agência Pública que revelou que "entre os dias 1º de novembro e 31 de dezembro de 2022, o GSI, então chefiado pelo general Augusto Heleno, recebeu várias pessoas envolvidas com os atos, incluindo 'um dos golpistas presos em flagrante após a invasão às sedes dos três poderes'".
General fazia parte de grupo de WhatsApp com golpistas
Em entrevista ao portal UOL, o coronel aviador reformado Francisco Dellamora disse que Heleno participou de um grupo de WhatsApp que envolvia militares da ativa e da reserva, com discussões sobre possíveis ações golpistas. O grupo existiu até o 8 de janeiro, dia dos ataques às sedes dos Três Poderes, e contava com a presença do general da reserva Sérgio Etchegoyen, que foi chefe do GSI durante o governo Michel Temer (MDB).
Bolsonaristas queimaram ônibus na diplomação de Lula
O general Heleno ainda era chefe do GSI quando bolsonaristas tentaram invadir a Polícia Federal e queimaram ônibus na noite de 12 de dezembro, dia da diplomação do presidente Lula. Não houve prisões decorrentes dos atos. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal chegou a afirmar que "não foram constatadas prisões relacionadas aos distúrbios civis ocorridos".
"Bandido sobe a rampa?"
Em vídeo divulgado pelo site Metrópoles em dezembro do ano passado, um manifestante perguntou a Heleno se "bandido sobe a rampa", em referência ao presidente Lula, que tomaria posse em algumas semanas. O general respondeu que "não".
Na CPI dos Atos Antidemocráticos no Distrito Federal, Heleno foi questionado sobre o tema, mas negou que se referisse ao petista e disse que continua achando que ladrão não sobe a rampa.
Generais de Heleno permaneceram no GSI de Lula
Os generais Carlos José Russo Assumpção Penteado e Carlos Feitosa Rodrigues, que faziam parte da gestão de Heleno no GSI, permaneceram no órgão nos primeiros dias do governo Lula - inclusive durante os atos de 8 de janeiro. Foram exonerados apenas em 23 de janeiro e em abril foram chamados para prestar depoimento no âmbito da Operação Lesa Pátria, que apura a suposta conivência e participação de integrantes das Forças Armadas com a invasão das sedes dos três poderes.
Heleno pode ajudar a esclarecer as ações de seus subordinados nos atos e se houve algum tipo de conivência da parte deles.
Contexto desfavorável ao militar
Em junho, em depoimento à CPI dos Atos Antidemocráticos no Distrito Federal, o general Heleno disse que os acampamentos golpistas eram "locais sadios" e minimizou as ocorrências.
— Acho que o tratamento que estão dando a essa palavra golpe não é adequado. Um golpe, para ter sucesso, precisa ter líderes, um líder principal, não é uma atitude simples. Esse termo golpe está sendo empregado com extrema vulgaridade. Uma manifestação, uma demonstração de insatisfação não se pode caracterizar um golpe — alegou.
Mas o contexto agora é menos favorável ao ex-chefe do GSI do que há três meses. O testemunho dele ocorrerá entre diversos reveses que têm atingido os militares nas últimas semanas, como a operação da Polícia Federal que cita o general Braga Netto em uma investigação sobre supostos desvios de dinheiro público durante a intervenção federal no Rio de Janeiro.
O depoimento ocorre também após vazamentos de trechos da delação premiada do tentente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Segundo informações já divulgadas na imprensa, Cid chegou a afirmar que entregou ao ex-presidente dinheiro vivo, oriundo da venda ilegal de joias da Presidência. Disse, também, que Bolsonaro consultou a alta cúpula das Forças Armadas sobre possibilidade de dar um golpe depois da vitória de Lula.
Heleno ativou o modo "não sei de nada" sobre a delação de Cid. O general da reserva tem dito a interlocutores que não pretende se manifestar sobre supostas informações de que ele seria citado na colaboração do ex-ajudante de ordens.