Geraldo da Camino, 60 anos, marcou época como procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC). À frente do órgão, que se dirige ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para fiscalizar gastos públicos, se notabilizou por ter cobrado explicações e provocado punições de autoridades de proa.
Nesta entrevista, na despedida do cargo, da Camino fala a respeito dos 15 anos de atuação na chefia do MPC.
Apontamentos do MPC serviram de base para o inquérito da Polícia Federal que deflagraria a Operação Rodin. Como foi a origem?
Recebi denúncia de um delegado de polícia. Pedi toda a documentação ao Detran em fevereiro de 2007. Também fui procurado por um procurador da República, Rafael Brum Miron, que tinha outro expediente em Santa Maria e analisava a questão sob outro viés. Eu analisava a contratação da Fatec pelo Detran. Ele analisava a relação entre a Fatec e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Fomos evoluindo até que me integrei a uma força-tarefa que contava com MPF, Polícia Federal e Receita Federal. E fomos até o final. Na deflagração da operação, eu estava lá, em 6 de novembro de 2007.
O senhor assumiu como procurador-geral fazendo a defesa da efetiva integração dos órgãos de investigação. A atuação conjunta é um legado?
Isso já vinha do então procurador-geral, Cezar Miola (antecessor de da Camino). Ele celebrou os nossos primeiros termos de colaboração. Deixamos isso como legado. Eu vivia repetindo que era importante haver integração e seletividade para chegar à efetividade. Temos de ser seletivos. Isso é não gastar o mesmo tempo em questões pequenas. Por exemplo: eu me dedicar a dar um parecer sobre irregularidade de uma contratação que já se extinguiu, em vez de investigar o possível desvio de milhões de reais numa licitação. De preferência, a ação preventiva. Que não sejamos legistas do erário: depois do dano ocorrido, ver quanto foi o prejuízo.
Ficaram conhecidos os churrascos na sua casa com policiais, procuradores e auditores. Qual o papel dos assados do Geraldo na integração?
Temos de avançar da integração que decorre da identificação pessoal para uma atuação institucional. Foi muito importante estabelecer relação de confiança. E isso se faz também na informalidade, fora do expediente. Nossos encontros foram muitos e serviram para isso.
É mais eficiente ter relação de confiança do que mandar um e-mail solicitando cooperação?
É completamente diferente. Temos de falar, saber com quem se está falando, estabelecer relação de confiança e traçar atuação conjunta em que as competências e atribuições se unam. Que haja sinergia, buscando o interesse público.
Em 2008, o senhor pleiteou o afastamento do então presidente do TCE João Luiz Vargas por suspeita de envolvimento na Rodin. Foi o momento mais tenso?
Representei pelo afastamento, indiciamento e abertura de processo administrativo disciplinar. Era o presidente da Corte na qual está inserido o MPC, que não tem autonomia financeira. Temos autonomia funcional, mas somos dependentes de recursos humanos do tribunal. Era uma situação realmente insólita em que o procurador do MPC representa contra o presidente do tribunal que provê os meios para o seu funcionamento. Quando representei contra o presidente, fui primeiro falar com ele, para dizer que eu tinha o dever funcional de fazê-lo, sob pena de cometer o crime de prevaricação.
E a reação dele?
Recebeu, aparentemente, bem. Não houve nenhuma pressão política. Ninguém veio dizer "não representa" ou "toma essa ou aquela medida". Nem os conselheiros nem ninguém. Obviamente, foi tenso. O tribunal anunciou que faria mudanças no MPC para o prédio anexo, em péssimas condições à época. Uma série de questiúnculas. Foi tirada uma vaga de estacionamento. O ápice foi quando solicitaram o retorno do chefe de gabinete do MPC para o TCE. Foi o ponto mais tenso, quando tive de me dirigir aos demais conselheiros.
Para pedir a permanência do chefe de gabinete?
Não para pedir a permanência, mas para dizer que eu adotaria medidas.
Houve a representação para aprofundar as apurações sobre a origem dos recursos para a compra da casa da então governadora Yeda Crusius. O senhor foi um antagonista de Yeda?
2008 foi um longo ano. Não há nenhum aspecto pessoal. Provavelmente ocorreu porque foi um período em que recebi muitas denúncias. E a todas denúncias eu dou andamento. Nada foi instaurado de ofício.
Pelo lado dos críticos, há avaliações de que o senhor transbordou as funções do MPC em alguns momentos. Como avalia?
Já ouvi e não me perturbo porque me guio rigorosamente pelos limites da lei. Não me recordo de ação judicial que tenha impedido ou revertido uma medida tomada pelo MPC. Portanto, suponho que estejamos atuando nas balizas da lei.
Sensação de dever cumprido, o que não é nada mais do que a minha obrigação. Sempre agi da forma que considerava ser a mais ponderada.
GERALDO DA CAMINO
procurador-geral do Ministério Público de Contas
Sobretudo na época do governo Yeda, críticos diziam que o senhor atuava em busca de holofotes. O senhor declarou no passado que isso lhe incomodava. Ainda incomoda?
Incomodado, talvez, porque era o início da atuação. Uma adaptação ao cenário em que a defesa de muitos é acusar quem os acusa. Logo, percebi que essa era uma estratégia e que bastava eu observar a lei. A acusação de querer holofotes é feita por má-fé ou desconhecimento. Quem conhece a atuação sabe. Para cada representação noticiada, existem 20 ou 30 expedientes em que há arquivamento. Isso é natural e não me perturba.
O senhor é crítico de indicações meramente políticas e representou para suspender a posse de Marco Peixoto no TCE. Ele assumiu e já presidiu a Corte. Teve atritos com conselheiros?
Tirando o primeiro episódio (com João Luiz Vargas), não tive problema algum. Sempre tive uma boa relação com o conselheiro Marco Peixoto. Ele demonstrou entender, de forma republicana, a atuação do MPC. Quando ele presidiu o TCE, tratou o MPC com respeito. Representei duas vezes contra ele. Primeiro contra a posse por entender que não havia demonstrado na sabatina os notórios conhecimentos porque não respondeu quando questionado sobre os princípios da administração pública. E a segunda, quando da sua eleição para a presidência (do TCE), porque à época respondia a um inquérito no STJ. Eu entendia que não era cabível, nessa circunstância, assumir a presidência do tribunal. Ele respondia a um inquérito que, depois, foi arquivado.
Deixa o cargo de procurador-geral realizado? Mudaria algo se pudesse retroceder?
Sensação de dever cumprido, o que não é nada mais do que a minha obrigação. Sempre agi da forma que considerava ser a mais ponderada. Certamente errei muitas vezes, avaliei mal algumas situações, mas, se avaliei mal, foi achando que estava avaliando bem. Não me arrependo de nada.