O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, apresentou uma notícia-crime para o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a Corte investigue o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) no inquérito das fake news pelos crimes de calúnia, difamação e racismo. O documento foi apresentado na terça-feira (4). O inquérito está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes e é sigiloso.
O estopim do atrito entre os dois aconteceu após comentários que Dallagnol fez sobre a ida de Dino ao Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, no dia 13 de março, para um evento sobre segurança pública. Na perspectiva do ex-procurador da República, o ingresso de uma autoridade no local só seria possível através de negociação com o crime organizado.
O pedido foi direcionado ao inquérito das fake news porque o chefe da pasta de Justiça e Segurança Pública afirma que Dallagnol propagou notícias falsas ao dizer que ele "se reuniu e fez acordo com chefes de organizações criminosas, (especialmente o PCC)".
"Naquela região estão presentes grupos armados que entre si disputam poder, e contra esses há de ser assegurado o cumprimento da lei. Contudo, há imensa maioria de cidadãos que não possuem relação com o mundo do crime", diz o documento.
O deputado afirma que o ministro "não negou que houve autorização. É um assunto de interesse público". Dallagnol classifica a investida como um ataque pessoal.
— O que eu falei está dentro do espaço legítimo do discurso. Flávio Dino está recusando a pluralidade de ideias e do debate público, recusando a democracia, violando imunidades e prerrogativas ao parlamento. Lamento, mas não me surpreendo. O que me preocupa é o ambiente de cerceamento do discurso. Gostaria de ver ele (Dino) tomando esse mesmo tipo de ação com membros do governo, cumprindo o seu dever, ao invés de calar adversários políticos — declarou.
A vinculação ao crime de racismo está fundamentada, de acordo com o texto da representação, com o vínculo que o parlamentar faz entre o Complexo da Maré e o crime organizado. Dino afirma que as manifestações do parlamentar "estão carregadas de preconceito contra as camadas menos abastadas da sociedade, especialmente as favelas e demais periferias urbanas, que são frequentemente alcançadas pela discriminação e racismo". O pedido direcionado ao Supremo também afirma que "o citado parlamentar, com suas condutas irresponsáveis, acaba por instigar preconceitos por raça e procedência".
O protocolo da notícia-crime foi revelado por Flávio Dino durante uma coletiva de imprensa na tarde de quarta-feira (5). Ele negou que haja perseguição a Dallagnol e disse que o deputado estaria fazendo uso deturpado da imunidade parlamentar.
— Tenho biografia, tenho respeitabilidade profissional, tenho ficha limpa e, portanto, não aceito que ninguém, absolutamente ninguém, invente ou propague uma calúnia dessa dimensão — afirmou o ministro.
Espelho
O embate entre Dino e Dallagnol espelha, no plano simbólico, a recente queda de braço entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR). O parlamentar, ex-juiz da Lava-Jato, foi alvo de um plano de sequestro que vinha sendo elaborado por membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC. Durante uma visita ao Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro, o presidente se referiu ao episódio como uma "armação" do ex-juiz.
Embora no caso de Lula e Moro o antagonismo seja mais antigo, os casos têm em comum a disputa simbólica pelo significado dos mesmos acontecimentos e a herança política da Lava-Jato.
— Eu encaro a notícia crime como um ato de perseguição política típica do PT, de como como o PT lida com a Lava-Jato e as autoridades da Operação — acusou Dallagnol.
Caso a notícia-crime seja acolhida pelo ministro Alexandre de Moraes, o ex-procurador da República poderá figurar entre os investigados do inquérito das fake news. O deputado pode ser intimado para prestar esclarecimentos e até depor, mas fica protegido de uma eventual ação penal enquanto perdurar o seu mandato na Câmara.