Com apoio do governo e críticas da oposição, o plenário da Câmara dos Deputados se prepara para retomar, nesta semana, a análise do PL das Fake News. Já aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara desde 2020, o projeto de lei prevê normas de transparência e estabelece formas de punição a plataformas digitais, como Facebook, Twitter, WhatsApp e Telegram, caso descumpram o novo regramento.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, sinalizou na última semana que irá pautar no plenário a votação de um requerimento de urgência relacionado ao projeto, na quarta-feira (26). Se o instrumento for aprovado, o PL das Fake News poderá ser analisado pelos deputados diretamente no plenário entre quarta e quinta-feira (27), sem a necessidade de passar pelas comissões, o que tornaria a tramitação mais rápida.
Em abril de 2022, um grupo de parlamentares tentou aprovar a urgência para encurtar o caminho na Casa, mas a estratégia acabou derrotada por oito votos. Agora, a avaliação do Palácio do Planalto e de aliados é de que o cenário se tornou mais favorável para a aprovação por diferentes motivos, que incluem a troca de governo, os atos de 8 de janeiro em Brasília, os recentes ataques a escolas e a regulamentação das gigantes digitais pela União Europeia.
O texto sob relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) prevê a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O relatório ainda não havia sido apresentado de forma oficial até as 20h desta segunda-feira (24), mas uma versão circulava entre parlamentares da base.
Entre os pontos principais do texto preliminar está a obrigação para que provedores atuem preventivamente diante de "conteúdos potencialmente ilegais gerados por terceiros" em seus serviços. São considerados ilegais os conteúdos que configurem:
- Crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de estado;
- Atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo;
- Crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação;
- Crimes contra crianças e adolescentes, e de incitação à prática de crimes contra crianças e adolescentes ou apologia de fato criminoso ou autor de crimes contra crianças e adolescentes;
- Crimes de discriminação ou preconceito;
- Violência de gênero;
- Infração sanitária, por deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias quando sob situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
Em outro trecho, o deputado do PCdoB prevê diferentes sanções aos provedores pelo descumprimento da lei, como:
- Advertência;
- Multa diária;
- Multa simples, de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício ou, ausente o faturamento, multa de R$ 10,00 (dez reais) até R$ 1.000 (mil reais) por usuário cadastrado do provedor sancionado, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), por infração;
- Publicação da decisão pelo infrator;
- Proibição de tratamento de determinadas bases de dados;
- Suspensão temporária das atividades
- Proibição de exercícios das atividades.
Além disso, o projeto prevê regras especiais para o impulsionamento de conteúdos, prática que ocorre quando há a ampliação do alcance de informações por meio de pagamento. Pela proposta, as plataformas ficam obrigadas a identificar os responsáveis pelo impulsionamento.
A iniciativa foi apresentada pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) em 2020. Se for aprovada com alterações pela Câmara, o texto retorna ao Senado.
Governo apoia PL
O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, João Brant, ressalta que o foco do PL das Fake News é o combate aos conteúdos ilegais. Brandt rebate críticas de opositores, que chamam o projeto de "PL da Censura", e diz que a iniciativa não tem o objetivo de combater desinformação e notícias falsas.
— Não se trata disso. Há inclusive a preocupação de preservar a liberdade de expressão — argumenta o secretário.
Respondendo a uma postagem do senador Sergio Moro (União Brasil-PR) nas redes sociais, Brant afirmou nesta segunda-feira (24) que "não existe tentativa de controle da verdade em parte nenhuma" do projeto. O ponto questionado por Moro se refere a um trecho do PL, que prevê a criação de uma "entidade autônoma de supervisão". Brant diz que o órgão atuará na fiscalização as obrigações das plataformas.
— Essa entidade não teria direito nem dever de cuidar de conteúdos individuais. Não cabe a ela dizer se tal conteúdo é ilegal ou não. Cabe a ela ver se as plataformas estão atuando ou não (para cumprir a lei) — explica o secretário.
Oposição
Nas redes sociais, deputados da oposição se mobilizam para tentar rejeitar a urgência do projeto. Um dos mais influentes, o gaúcho Maurício Marcon (Podemos-RS) afirma que o governo está "se aproveitando da confusão e do medo gerados pelos ataques a escolas para atropelar a devida discussão da matéria no Congresso". Marcon diz que o governo quer "regulamentar a internet e controlar o discurso no país".
— O tema é muito importante e complexo para ser tratado de forma irresponsável e até mal intencionada. Apressar o debate desta forma é jogar a água do banho fora com o bebê junto; é abrir as portas para a censura no país. Este projeto é o PL da Censura no Brasil, e não do combate às fake news — critica.
Já o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) argumenta que a melhor forma de combater as mentiras é permitir "que elas sejam expostas para que a gente possa combatê-las com a verdade". O parlamentar afirma que, da forma como está, com a previsão de que as redes apaguem "material potencialmente negativo", abre-se espaço para a "censura".
— Em um país em que a liberdade de expressão deve ser garantida, o o que estamos vendo é que a gente está permitindo ao Congresso discutir uma lei que vai nos botar num padrão tipo o da China. Isso é muito ruim. Aquilo que é calúnia, injúria, difamação, está tudo já previsto na legislação brasileira. O que falta muitas vezes é o Judiciário ser mais ágil e as nossas leis serem melhor respeitadas — observa.