Às vésperas de completar dois meses de trabalho desde o início do ano legislativo, o Congresso é palco de embate entre Câmara dos Deputados e Senado. No centro da tensão, os presidentes das duas Casas divergem sobre o rito de apreciação de medidas provisórias (MPs).
Diante dessa queda de braço, ações importantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, como a reestruturação dos ministérios e a recriação ou alteração de programas como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, podem perder validade. Como uma MP tem prazo de até 120 dias, quanto mais demorada a resolução da rixa, maior o risco de reversão dos atos previstos nos textos.
O conflito também expõe a disputa por maior controle da tramitação das MPs e, consequentemente, protagonismo na negociação com o governo.
A divergência
No período mais crítico da pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou que o rito de votação de MPs pulasse a fase de discussão nas comissões mistas formadas por senadores e deputados para acelerar a aprovação de medidas urgentes do governo. Agora, em um cenário onde a crise sanitária está controlada e o funcionamento das casas ocorre em ritmo praticamente normal, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), travam duelo sobre como deve se dar o processo.
De um lado, Pacheco defende que o rito volte a ser como era antes da crise sanitária. Do outro, Lira deseja preservar os poderes conquistados pelos deputados no período.
Integrantes do Senado afirmam que o modelo atual de tramitação aumenta o controle por parte da Câmara em relação às MPs e, consequentemente, dá mais protagonismo na condução de pautas do governo. Já o presidente da Câmara alega que o processo hoje é mais “célere, dinâmico e eficiente”.
Quais os impactos desse impasse?
Como as medidas provisórias precisam ser votadas em um prazo máximo de 120 dias, aumenta o risco de perda de validade a cada dia que passa sem análise do Legislativo. Caso as MPs não sejam votadas nesse prazo, elas deixam de valer. A maior parte dos textos editados pelo governo tem validade até os meses de maio e junho.
A perda de efeito das medidas poderia causar um colapso no governo, porque atos importantes nesses menos de 100 dias de governo, como definição do quadro ministerial, recriação ou reestruturação de programas sociais, mudanças na estrutura de órgãos de controle e na tributação perderiam efeito.
Em que pé está a discussão?
Os presidentes da Câmara e do Senado tiveram uma reunião na última quarta-feira (22), mas não conseguiram chegar a um acordo. Desde então, a tensão entre os dois aumentou. Pacheco ignorou as ameaças de Lira e assinou uma questão de ordem apresentada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) para que as MPs voltem a ser analisadas da maneira como era feito antes da pandemia. Lira ficou contrariado e disse que Pacheco age com "truculência" e ameaçou deixar caducar as medidas apresentadas pelo governo Lula.
Ao anunciar o retorno do trâmite nas comissões, na quinta-feira (23) Pacheco afirmou que todas as medidas provisórias encaminhadas pelo governo anterior e que ainda estão tramitando no Congresso serão analisadas sob as regras do rito excepcional. Já as MPs encaminhadas pelo governo Lula deverão tramitar de acordo com o rito normal, passando pela análise nas comissões mistas.
No mesmo dia, Lira anunciou que, na semana que vem, o Plenário votará medidas provisórias do governo Bolsonaro. Quanto às MPs do governo Lula, o impasse permanece.
Nesta sexta-feira, o presidente da Câmara pediu que o presidente do Senado "se digne" a convocar uma sessão do Congresso Nacional para discutir o impasse entre as duas Casas.
Ações do governo Lula
Tentando resolver a situação, o presidente Lula realizou uma reunião de emergência com a coordenação política do governo, nesta sexta-feira (24), e a decisão foi que essa crise deve ser resolvida pelo Congresso. A reunião foi agendada antes da confirmação de que Lula está com um quadro leve de pneumonia, o que provocou o adiamento do embarque dele à China.
Entretanto, Lira e Lula ficaram de se reunir antes da viagem do petista à China para forçar o chefe do Planalto a arbitrar a crise entre a Câmara e o Senado desencadeada pela tramitação dessas propostas e começar a negociar uma agenda com o Congresso, que passa pela formação de uma base aliada do Planalto.
As MPs editadas pelo governo Lula nesse início de mandato
MP 1154
- Data: 01/01/2023
- Estabelece e organiza os órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Com essa MP, Lula criou a estrutura de seu governo com 37 pastas no primeiro escalão.
MP 1155
- Data: 01/01/2023
- A medida transfere adicional de R$ 200 para as famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica inscritas no Auxílio Brasil. Isso assegura ao beneficiário o pagamento do total de R$ 600. O texto também assegura o pagamento bimestral do auxílio gás aos beneficiários.
MP 1156
- Data: 01/01/2023
- Promove a extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a absorção de suas competências, patrimônio e pessoal pela administração pública federal direta. Nesta semana, o governo federal publicou portaria que remaneja os servidores e servidores públicos da extinta Funasa para outros órgãos federais. O governo também já regulamentou a transferência de convênios e contratos do antigo órgão para os ministérios da Saúde e das Cidades, pastas que irão incorporar as funções da fundação.
MP 1157
- Data: 01/01/2023
- A medida reduz as alíquotas da Contribuição para o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) incidentes sobre operações realizadas com óleo diesel , biodiesel , gás liquefeito de petróleo, álcool, querosene de aviação, gás natural veicular e gasolina.
MP 1158
- Data: 12/01/2023
- A proposta retorna o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Fazenda, sob o comando de Fernando Haddad. O Coaf é uma agência governamental de combate ao crime de lavagem de dinheiro.
MP 1159
- Data: 12/01/2023
- Exclui o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) da incidência e da base de cálculo dos créditos da Contribuição para o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do PIS/Pasep e da Cofins.
MP 1160
- Data: 12/01/2023
- Restaura o voto de qualidade em favor da União no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tribunal administrativo ligado ao Ministério da Fazenda responsável pelo julgamento de questões tributárias e aduaneiras. O voto de qualidade havia sido extinto com a publicação da Lei 13.988, de 2020.
MP 1161
- Data: 10/02/2023
- Altera a lei de criação do Programa de Parceira de Investimentos (PPI) para dar ao presidente da República o poder de definir, por decreto, a composição do Conselho do PPI. Antes, os membros do colegiado eram fixados na lei.
MP 1162
- Data: 14/02/2023
- Recria o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. A medida prevê o retorno da faixa 1, que atende as famílias de menor renda. O objetivo é atender famílias com renda mensal de até R$ 8 mil na zona urbana e de até R$ 96 mil anual no meio rural.
MP 1163
- Data: 28/02/2023
- A medida reduz alíquotas de contribuições incidentes sobre operações realizadas com gasolina, álcool, gás natural veicular e querosene de aviação. O texto também retoma a cobrança de alguns tributos sobre combustíveis, isentos desde o ano passado.
MP 1164
- Data: 02/03/2023
- Recria o Bolsa Família e cria novas regras para o programa. O texto prevê que as famílias beneficiadas pelo programa receberão um valor mínimo de R$ 600, com um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos.
MP 1165
- Data: 20/03/2023
- Altera as regras do programa Mais Médicos. O texto visa reforçar a presença de profissionais em regiões desassistidas de serviços de atenção básica de saúde. Entre as principais novidades está a criação de uma indenização especial para o médico que atuar em região de difícil fixação ou for formado pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
MP 1166
- Data: 22/03/2023
- Recria o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), política de estímulo à agricultura familiar e de combate à insegurança alimentar e nutricional da população, principalmente no âmbito das famílias mais vulneráveis.
Fontes: governo federal, Agência Senado e Agência Câmara