Fim de ano é época de começar novos ciclos e Eduardo Leite se prepara para etapa decisiva em sua pródiga carreira política. Após reformas estruturais que colocaram as contas em dia no primeiro mandato, agora o objetivo é melhorar a qualidade das políticas públicas, com prioridade na educação. Mais urgente é evitar a falência do IPE Saúde, cuja rede atende um milhão de pessoas. Leite quer enviar já em fevereiro à Assembleia Legislativa uma alteração na fórmula de contribuições que deve aumentar a cobrança de parte dos usuários. A ideia é usar o prestígio obtido nas urnas para aprovar o tema no início do mandato, dedicando-se no resto da gestão a um novo programa de investimentos e à projeção nacional que deseja obter à frente do PSDB.
Leite espera que seu segundo governo no RS o coloque no debate presidencial de 2026 em condições melhores das que enfrentou neste ano, quando perdeu as prévias tucanas e quase mudou de partido na tentativa de emplacar uma candidatura. Prático, ele não gosta de pensar em hipóteses passadas. Basta uma pergunta começar com um inofensivo “se” que ele recorre a Fernando Pessoa:
— Se a certa altura eu tivesse me voltado para a esquerda, ao invés de para direita; em certas conversas eu tivesse dito as frases que só hoje elaboro; seria outro hoje — recita, com os olhos no futuro e o Guaíba emoldurando a paisagem.
A entrevista foi concedida à GZH na quarta-feira (21), no gabinete da transição, antes do anúncio de novos nomes do secretariado nesta sexta-feira (23), quando foi informado o novo titular da Secretaria de Segurança Pública e confirmada a permanência de Arita Bergmann na Saúde. O trecho sobre as duas pastas foi mantido na edição. Confira o diálogo a seguir:
O Rio Grande do Sul nunca havia reeleito um governador. O que esperar do segundo mandato?
O diferencial é conhecer as engrenagens e ter capacidade de fazer ajustes rapidamente. Usamos a transição para ajustes em secretarias, posições de chefias e lideranças, melhorando postos transversais, que tocam em várias secretarias, e cargos técnicos que são a espinha dorsal do governo. Tudo para melhorar a performance. O desafio do primeiro governo era o equilíbrio das contas. O do segundo é o desempenho, a entrega das políticas públicas. Quero um governo com mais efetividade.
Mudar secretários não ameaça esse avanço, à medida que entram pessoas que não conhecem a máquina pública?
Não. Por mais que se troque secretários, por questões técnicas ou políticas, a coordenação de governo segue a mesma. E mais abaixo na estrutura, muitos nomes permanecerão em posições estratégicas.
O senhor era contra a reeleição dizendo que o segundo mandato é pior do que o primeiro. Como evitar que isso ocorra?
Estou muito entusiasmado para o segundo mandato. Conseguimos virar a chave de conseguir pagar as contas em dia e, pelo tanto que vejo, temos condições de fazer mais. O desafio é não permitir que a vitória se transforme em conforto e nos desafiarmos a sermos uma evolução. O tambor que o governador tem que bater é para que o governo não perca o ritmo e possa acelerar.
O senhor teve a maior base de apoio que um governador já desfrutou. Agora a oposição está maior. Como aprovar projetos polêmicos?
No primeiro mandato, endereçamos logo nos primeiros meses os projetos com mudanças mais profundas. No próximo ciclo de governo, não prevejo algo nessa dimensão, o que nos dá perspectiva de um relacionamento menos tensionado.
O que precisa ser reestruturado e ficou pendente é o IPE Saúde para que a gente possa dar sustentabilidade ao plano
governador eleito
Quais são os projetos que o senhor pretende enviar à Assembleia na largada do ano legislativo, quando se aproveita o capital político conferido pelas urnas para aprovar medidas mais polêmicas?
O que precisa ser reestruturado e ficou pendente é o IPE Saúde, para que a gente possa dar sustentabilidade ao plano. Ele é importante para um milhão de vidas, mas também relevante nos hospitais e clínicas credenciadas.
As mudanças já estão definidas? Terá aumento nas contribuições?
É uma reorganização. Pode ter redução para alguns e alíquotas maiores para aqueles com maior demanda. Há estudos prontos, mas não me debrucei porque estive focado na estrutura da máquina e na composição das posições-chave do governo. A gente ainda vai conversar com os sindicatos para que, na abertura do ano legislativo, em fevereiro, possa ter um projeto que chegue na Assembleia com o máximo de entendimento.
O senhor passou quatro anos pedindo compreensão ao funcionalismo, que ganhou 6% de reajuste. Agora o senhor, o vice e secretários ganharão aumento de 40%. Virão ainda aumentos para CCs. Não é contraditório?
Não é correto fazer a comparação. Professores tiveram o salário inicial aumentado em 75% nos últimos quatro anos. Policiais militares, civis e outras carreiras tiveram reestruturação que gerou aumento substancial nos anos recentes. A remuneração do governador é a mesma há oito anos. O que se busca é colocar a remuneração de quem responde por um orçamento bilionário em patamares condizentes com as atribuições. Um delegado de 4ª classe, um coronel e um procurador do Estado recebem R$ 29,5 mil. Esse foi o patamar escolhido para um secretário, até para que possamos recrutar pessoas que são disputadas no mercado.
Quando o senhor terminará a montagem do secretariado?
Estamos avançando bem e acho que logo deveremos ter a maior parte da composição fechada.
A Secretaria de Segurança Pública entra na negociação política?
Não. A Segurança, a Educação e a Saúde devem estar sob olhar técnico. A gente procura alguém que tenha experiência e entendimento para coordenar uma área em que tivemos grandes avanços.
Como o senhor recebeu a investigação da secretária de Saúde, Arita Bergmann?
Há um inquérito na Polícia Federal, houve busca e apreensão. Não podemos confundir com condenação, há o direito à defesa e torço para que tudo se esclareça e não surja desvio de conduta. Não farei julgamento apressado para condenar nem absolver. Como qualquer agente público, ela está submetida à necessidade de prestar contas, especialmente se há dúvida.
Ela permanece no cargo?
Estamos analisando o nome para a Saúde. Ainda não tenho nome fechado.
O governo projeta concluir o programa Avançar em 2023, totalizando R$ 6,5 bilhões em investimentos. Isso será possível?
O Ranolfo (Vieira Jr.) deve concluir com algo próximo de R$ 4,5 bilhões pagos. Significa termos em torno de R$ 2 bilhões para executar no primeiro ano do governo. Será o prazo também para que a gente possa organizar uma segunda etapa do Avançar.
Qual é a prioridade para essa segunda etapa?
A educação é absoluta prioridade e vai exigir investimentos para atingirmos 50% do Ensino Médio em tempo integral, o que equivale a 550 escolas. Hoje são menos de 20. O desafio não é disponibilidade de recursos, mas capacidade de execução. Por isso que nessa reestruturação estamos prevendo reforço da estrutura da secretaria, com melhoria na remuneração e qualificação dos diretores.
O senhor recriou a Secretaria de Parcerias e Concessões. Que projetos a pasta vai tocar no segundo mandato?
Quero que seja provocadora de novas oportunidades, em linha com as necessidades das outras pastas. Buscar entender o ambiente e o apetite dos investidores para além de executar o que foi definido pelo governador. São Paulo fez PPP (parceria público-privada) para habitação, a Bahia na construção de hospitais, Belo Horizonte para construção de escolas de Educação Infantil, além de tocar as concessões e privatizações que estão pendentes.
Há um imbróglio paralisando a concessão de dois blocos de rodovias. Que mudanças serão feitas e quando esses blocos devem ir a leilão?
Precisamos fazer ajustes pontuais. Espero ter leilões já no primeiro ano de governo. Na RS-118, há o compromisso de não ter praça de pedágio, o que exige revisão mais complexa. No outro bloco há discussão sobre posicionamento das praças, se arruma mais rápido. Há ainda outros blocos que podem ser formados, mas numa modalidade em que o governo aporta recursos porque não há remuneração suficiente pelo pedágio.
O fracasso nos leilões do Cais Mauá e do Jardim Botânico lhe assustam? O horizonte é
nebuloso?
Tivemos uma série de êxitos, como a privatização das três companhias da CEEE, da Sulgás, e a confiança de que vai se concretizar a venda da Corsan. No Cais Mauá existem interessados, mas precisa ajustes na estruturação do negócio. Ele enseja investimentos que talvez tenham gerado dúvida, a questão é identificar para entender quais foram os componentes decisivos para o recuo.
Como o senhor avalia a venda da Corsan, que ocorreu sem disputa, ágio de 1,15%, batalha judicial e assinatura do contrato barrada pela Justiça?
Mas é imponderável você deixar de vender agora esperando que fique melhor daqui a algum tempo. Pode ser que esteja pior, daí esse sentimento de urgência
Nós enfrentamos barreiras judiciais em todas as privatizações. Estou seguro de que se chegará a uma composição entre a empresa que apresentou proposta, o Estado e a Justiça do Trabalho. A judicialização afetou menos do que o cenário econômico, a alta dos juros afeta o custo do dinheiro e tudo isso é precificado. Mas é imponderável você deixar de vender agora esperando que fique melhor daqui a algum tempo. Pode ser que esteja pior, daí esse sentimento de urgência.
A equipe de transição do governo Lula fala em mudar as regras do marco do saneamento, que motivaram a venda da Corsan, e pretende desestimular privatizações no setor. O senhor não preferia esperar?
Fizemos com a legislação vigente, essas regras estão estabelecidas no contrato. Quem compra a Corsan tem obrigações mesmo que o governo federal mude o marco do saneamento. E não se trata apenas de exigência legal. Então para permitir que não haja privatização vamos deixar a população vivendo no esgoto? Por conta de uma visão ideológica, vamos estender a exposição de milhões de pessoas para condições insalubres e doenças? Eu não quero simplesmente uma empresa pública, quero saneamento, e o modelo que estamos encaminhando será o que mais rapidamente vai tirar a população mais pobre de condições indignas de vida, especialmente nas periferias.
Para compensar as perdas no ICMS, União e Estados tiraram da gasolina o status de item essencial, permitindo aumentar a alíquota. O senhor vai aumentar o ICMS sobre a gasolina?
A solução deve ser compartilhada entre os Estados e envolver também o governo eleito. Diversos Estados e municípios tiveram a arrecadação afetada, o que vai contra aquilo que se prometeu ao longo desse governo (Bolsonaro), que era “mais Brasil e menos Brasília”.
Pode vir aumento do ICMS da gasolina em todos os Estados? Se falou em subir de 17% para 19%.
Essa discussão será especialmente aprofundada. É importante lembrar que há pouco tempo o Estado cobrava 30% e a gasolina era mais barata do que agora, cobrando 17%. O imposto não é o culpado.
Essa necessidade de recomposição do ICMS pode levar o senhor a tentar fazer uma reforma tributária?
O novo governo federal promete colocar foco na reforma tributária. Então qualquer discussão local vai acompanhar a discussão nacional. O mais importante é fazer a reforma nacional. Eu prefiro aguardar o que virá e, se vier, fazer uma adaptação ao que for federal.
O senhor vai governar o RS e presidir o PSDB. Não afeta a sua dedicação ao Estado?
As condições que apresentei são de que não poderei me dedicar às tarefas operacionais da rotina partidária. Vamos formar uma nova executiva para que eu possa distribuir funções que me preservem de uma agenda mais intensa.
Mas o partido buscou seu nome já projetando a eleição de 2026. O senhor já pensa em 2026?
Recebi a confiança dos gaúchos para ser governador, vou colocar toda a minha energia e fazer o melhor governo aqui
Recebi a confiança dos gaúchos para ser governador, vou colocar toda a minha energia e fazer o melhor governo aqui. Se o cenário ajudar e eu tiver feito o grande governo que espero fazer, bom, quem sabe eu possa me apresentar. Mas não vou fazer movimentos pensando nisso.
Qual será sua prioridade à frente do PSDB?
Resgatar a força do centro. Há uma polarização com liderança forte à esquerda e outra à direita, agendas conhecidas e nenhuma delas me representa. Quero ensejar no PSDB uma discussão sobre seus erros, quais bandeiras nos representam e mais mobilizam a sociedade. Isso vai envolver outros partidos com os quais se possa discutir alinhamento de programas e, lá na frente, ter um ambiente político delineado para entender quem melhor possa representar isso eleitoralmente. A Simone Tebet (MDB) é um nome que se apresentou, outros governadores podem surgir. Se entenderem que seja o meu nome, se as pessoas estarão procurando um homem, jovem, gay, para ser presidente, ou uma mulher, heterossexual, com mais senioridade, bom, isso será visto depois. Eu vou dar força para quem melhor viabilizar o nosso campo político.
O que o senhor escreveu na cartinha ao Papai Noel?
(Risos) O jingle da minha primeira eleição dizia: “Hoje já não acredito mais em Papai Noel, na vida real, sei que nada cai do céu”. Brincadeiras à parte aqui, o que eu peço a Deus é força e serenidade. O ambiente político nem sempre é o mais saudável, às vezes as disputas desbordam por um campo pantanoso, e quanto mais próximo do governante, mais intrigas. Então, peço tranquilidade para poder estar atento, e cumprir a minha missão, mas sem ficar
paranoico.