Baiano do Recôncavo, Augusto Aras se criou perto de praia, mas sempre que pode aparece uns dias pelo Rio Grande do Sul, para subir à Serra e curtir um frio. Semana passada, o procurador-geral da República veio a Porto Alegre, mas, desta vez, a serviço, sem passeio. Passou a sexta-feira (16) em reuniões com colegas e com funcionários administrativos do Ministério Público Federal (MPF).
Num intervalo, concedeu entrevista exclusiva a GZH e Rádio Gaúcha. Em meia hora de conversa, ele refutou a fama de "engavetador-geral" de processos contra o presidente Jair Bolsonaro (PL). Falou que a Lava-Jato não terminou, foi substituída. Reforçou que as Forças Armadas devem garantir o estado democrático de direito. E aproveitou para comentar iniciativas da Procuradoria-Geral da República (PGR) que envolvem os gaúchos.
Alguns procuradores da República e opositores do governo dizem que o senhor seria omisso em relação ao presidente Jair Bolsonaro. Tem gente até que chega a falar a expressão "engavetador", que o senhor engavetaria muitos casos envolvendo Bolsonaro. O que o senhor responde a eles?
É o seguinte, como um velho político mineiro já disse: em autoridade que não tem rabo, se coloca. Essa imputação de inércia ou omissão é facilmente rejeitada pelos números produzidos pela nossa gestão. Fizemos internamente, na PGR, mais do que nos últimos 29 anos da sua existência. E, do ponto de vista externo, nós prendemos, afastamos, denunciamos e investigamos mais de 400 pessoas com prerrogativa de foro.
No Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), nós contribuímos para a cassação de dois governadores de Estado. Grandes Estados. Não de Estados pequenos, grandes Estados. Nós denunciamos um governador, um vice-governador e 14 pessoas de um outro grande Estado. Nós temos governadores sendo investigados em todo o Brasil. Nós também fizemos oito inquéritos contra ministros de Estado. Em razão desses inquéritos, esses ministros de Estado foram afastados das suas funções. E, finalmente, nós requeremos abertura de oito inquéritos contra o Presidente da República.
Não há, na história anterior à nossa gestão, nenhum procurador-geral que tenha atuado de forma tão contundente, seja no plano do Supremo, seja do STJ, seja no plano do Presidente da República, dos ministros de Estado e de outras autoridades. Chegamos ao ponto de fazer duas grandes operações por mês, juntamente com a Polícia Federal (PF).
Então, dizer que o procurador-geral que tem um ranking desses é omisso? Pode ser ignorância ou, acredito eu, pode ser apenas maledicência, mesmo. Porque, felizmente, nós não participamos dos velhos vícios da República. Agora, preservamos a nossa independência.
Essa imputação de inércia ou omissão é facilmente rejeitada pelos números produzidos pela nossa gestão. Fizemos internamente, na PGR, mais do que nos últimos 29 anos da sua existência. E, do ponto de vista externo, nós prendemos, afastamos, denunciamos e investigamos mais de 400 pessoas com prerrogativa de foro.
Não nos deixamos intimidar, manipular por determinados segmentos de uma imprensa questionada e questionável. Nem estamos preocupados com a opinião publicada, porque sabemos que há veículos de comunicação que ainda mantêm a seriedade, há jornalistas sérios e respeitáveis que falem o bom jornalismo.
Como diz um amigo meu, imprensa é imprensa, jornalismo é jornalismo. Eu não quero misturar imprensa com blogs ou com outras novas figuras da comunicação. Eu prefiro dizer que, aqui no Rio Grande do Sul, é um exemplo do jornalismo através de emissoras como a sua, porque tem um acesso muito mais profundo que grandes veículos de TV de comunicação nacional. O gaúcho parece que tem essa confiança nas suas emissoras de rádio e isso é muito bom, porque favorece essa proximidade entre vocês e nós, que temos o dever de servir ao público.
Recentemente, em esclarecimento à imprensa estrangeira, o senhor fez algumas ponderações. Uma delas: quem for eleito será empossado e não se repetirá no Brasil a tomada do Capitólio por apoiadores de Donald Trump (como nos EUA). O senhor achou necessário dar esse recado?
Fui provocado a falar, por um dos jornalistas estrangeiros. E eu não fujo de respostas. Procuro ser responsável pelas minhas falas e pelas medidas que costumo adotar. Então a minha fala não foi recado, foi apenas a resposta a uma indagação sobre nosso ambiente democrático.
E eu tenho dito e repetido — como fiz em 2021, como fiz agora em 2022 —, no sentido de que a paz e harmonia sociais que decorrem do cumprimento da Constituição e das leis são o maior objeto a ser perseguido pelo sistema de justiça. Prevenir conflitos é o nosso objeto de trabalho. E temos conseguido cumpri-lo, como fizemos em 7 de setembro de 2021 e 7 de setembro de 2022. Manifestações coletivas, sem armas de forma pacífica e ordeira, constituem garantia constitucional.
O senhor chegou a recomendar que alguns procuradores visitassem auditorias militares, no 7 de Setembro do ano passado. Foi para recomendar punição a discurso de ódio nos quartéis ou por precaução?
Eu não diria punição, mas esclarecimento. É preciso que o nosso Ministério Público Militar, assim como a Justiça Militar, dialoguem com os segmentos armados para esclarecer eventuais dúvidas e simplesmente lembrar que as Forças Armadas têm a finalidade de garantir a soberania nacional, o Estado Democrático de Direito.
As polícias militares são forças auxiliares do Exército Brasileiro e devem preservar a ordem pública. Lembrar sempre que, no particular, as polícias militares têm um chefe que são os seus governadores nos respectivos Estados, mas como forças auxiliares no conjunto das forças armadas, têm um chefe fora das suas fronteiras que é o comandante geral do Exército.
Sim, mas o senhor estava preocupado com manifestações políticas demasiadas, com radicalismo?
A nossa preocupação sempre foi manter a sociedade como um todo informada de que manifestações democráticas, pacíficas e ordeiras coletivas em praça pública constituem garantias constitucionais. O que a constituição veda são atos violentos, reuniões, mesmo fechadas, com ameaças concretas ou fatos concretos que atentem contra a democracia. De maneira que nós devemos sempre distinguir o que é a mera retórica política, ou seja, aquele que nós chamamos vulgarmente do blá blá blá, daquilo que realmente é uma conspiração, ou um ato concreto que atente contra a nossa ordem jurídica.
O senhor firmou um acordo com o TSE para priorizar combate à violência política contra mulheres. Elas são mais alvo do que homens, na violência eleitoral?
Na verdade, precisamos garantir a todos cidadãos que buscam cargo eletivo condições necessárias para isso. As mulheres, por motivos históricos, tiveram de conquistar direito de sufrágio a duras penas. Elas ainda são minoria no parlamento. Por isso, cotas para participação política feminina, para garantia da propaganda eleitoral feminina. E mais ainda, garantias de que as mulheres poderão participar de alguma forma protegidas contra ataques, especialmente à sua honra, à sua dignidade, fazem parte da necessária garantia democrática de que todas as correntes de opinião, inclusive para que pessoas do gênero feminino manifestem-se livremente e com isso possam alcançar cargos e funções seletivas.
Sobre a Lava-Jato: essa operação diminuiu bastante de intensidade durante a sua gestão. E era um instrumento muito elogiado pelo combate a a corrupção no país. Isso foi proposital? O que que aconteceu? O que lhe desagradava na Lava-Jato?
É um engano dizer que houve diminuição do trabalho da Lava-Jato. A Lava-Jato apenas deixou de ser task-force, uma força-tarefa, para virar Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). O Gaeco é uma figura institucional que tem responsável, tem servidores, tem objeto pra ser cumprido, tem orçamento, tem prestação de contas, tem tempo pra conversar a investigação, tem tempo pra terminar. Tem procuradores com direitos que garantem a sua independência funcional. Tem servidores próprios, que nós cedemos. Então, não houve diminuição. Quando eu digo a você: olha, nós fizemos nesses anos duas grandes operações por mês, com mais de 400 pessoas com prerrogativa de foro no Supremo, no STJ ou STF presas, afastadas, denunciadas, investigadas, eu estou dizendo também que os Gaeco hoje já chegam a 22 federais no Brasil, fora os Gaeco estaduais. Dentre os quais figuram as antigas Lava-Jato.
É um engano dizer que houve diminuição do trabalho da Lava-Jato. A Lava-Jato apenas deixou de ser task-force, uma força-tarefa, para virar Gaeco. (...) Estão funcionando muito bem, não houve mudança nenhuma e em nenhuma estrutura das Lava-Jatos do Paraná, e do Rio de Janeiro em especial. Todas continuam funcionando, inclusive com mais procuradores, inclusive com mais servidores e mais recursos.
Estão funcionando muito bem, não houve mudança nenhuma e em nenhuma estrutura das Lava-Jatos do Paraná, e do Rio de Janeiro em especial. Todas continuam funcionando, inclusive com mais procuradores, inclusive com mais servidores e mais recursos.
Sobre Rio Grande do Sul, o senhor teria algumas novidades a respeito do desenvolvimento de área portuária e ferroviária?
A nossa Terceira Câmara de Coordenação e Revisão é a nossa câmara especializada em ordem econômica e defesa do consumidor. E neste campo o Rio Grande surge de forma especial, pela pujança dos seus empreendedores. E o Ministério Público Federal deve velar pelo patrimônio da União. Ele participa dos estudos de modais ferroviário, marítimo, aeronáutico e rodoviário, inclusive promovendo ações civis, ações de improbidade, quando há algum tipo de ilícito que assim configure.
O Rio Grande, por exemplo, tem um problema de ferrovia. Há mais de 25 anos, acho, a malha era de 3,6 mil quilômetros. Essa malha foi parcialmente abandonada, restaram 1,6 mil quilômetros ainda de ferrovia. Ora, essas ferrovias, se elas não são mais úteis, necessárias ao desenvolvimento do Estado, elas podem servir para fins turísticos.
Então, por exemplo, no que toca a ferrovia, nós fizemos em nossa gestão um termo de parceria com o Ministério da Infraestrutura, em que o Ministério Público durante 30 anos vai participar de todas as licitações, contratos, concessões envolvendo os modais ferroviários. Com isso, nós reduzimos o chamado Risco Brasil. Porque em vez de termos, como temos, R$ 800 bilhões em obras públicas paradas (inclusive de ferrovias paradas), nós teremos o Ministério Público participando, controlando, fiscalizando na fase dos projetos e e no seu desenvolvimento a legalidade em todos os aspectos desses grandes projetos.