O impacto da operação da Polícia Federal que nesta terça-feira (23) fez buscas em endereços de empresários bolsonaristas abriu caminho para um embate entre o procurador-geral Augusto Aras e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Enquanto o chefe do Ministério Público Federal (MPF) diz que "tomou conhecimento da existência" da investigação somente nesta manhã, o ministro do STF contra-atacou e contestou Aras. Alexandre divulgou certidões que, segundo ele, comprovam que o MPF foi "intimado pessoalmente" de sua decisão às 14h41min de segunda-feira (22).
Segundo o ministro, a ordem para buscas contra empresários aliados do presidente Jair Bolsonaro chegou ao gabinete da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, às 16h40min de segunda. "Importante ressaltar que esse procedimento de intimação é rotineiro, a pedido da própria PGR (Procuradoria-Geral da República), conforme demonstram inúmeros inquéritos e petições que tramitam nesse gabinete", assevera Alexandre de Moraes em nota.
Em nota divulgada perto das 15h desta terça-feira, a PGR afirmou que a totalidade da investigação ainda não havia sido remetida ao órgão para "ciência formal" da decisão assinada por Alexandre na sexta-feira (19), ordenando as diligências executadas nesta manhã.
Aras alega que "não houve intimação pessoal" da ordem judicial. A PGR afirmou, em nota, que houve "entrega, em procedimento não usual, de cópia da decisão na tarde dessa segunda-feira, 22, em sala situada nas dependências do STF, onde funciona unidade de apoio aos subprocuradores-gerais da República e ao PGR". A sala é um escritório de apoio que não conta com a presença contínua de procuradores, apenas servidores.
O Estadão apurou que o documento foi entregue a uma funcionária terceirizada da Procuradoria. Nos bastidores da PGR, a comunicação sobre a decisão de Alexandre foi vista como "fora do padrão". Fontes ligadas ao órgão sustentam que o Ministério Público "tem que ser intimado pessoalmente". Essa intimação, segundo procuradores, deve ser acompanhada dos autos da investigação, com todas as informações constantes no bojo da apuração, não somente a cópia da decisão que determinou as diligências.
Rotineiramente, oficiais de Justiça levam à PGR as decisões dos ministros dos tribunais superiores. Não foi isso que aconteceu no caso da operação contra empresários bolsonaristas, segundo a Procuradoria.
Em nota divulgada após o posicionamento da PGR, o gabinete de Alexandre de Moraes relatou a entrega da decisão proferida pelo ministro na sexta-feira para a Assessoria de Apoio aos Membros da Procuradoria-Geral da República no Supremo. "A referida decisão, posteriormente, foi encaminhada ao gabinete da vice-procuradora-geral da República às 15h35, onde recebida às 16h40 do mesmo dia", explicou a equipe de Alexandre de Moraes.
Ao ordenar as diligências contra empresários que, em um grupo de Whatsapp, teriam defendido um golpe de Estado em caso de eventual vitória de Lula no pleito deste ano, Alexandre de Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal (PF). Oito aliados do presidente Jair Bolsonaro foram alvo das diligências executadas pela PF em cinco Estados nesta terça.
Alexandre de Moraes também determinou a quebra de sigilo bancário e telemático (de mensagem) dos empresários, ordenou o bloqueio de contas dos investigados e ainda mandou suspender seus perfis nas redes sociais. O Estadão apurou que celulares foram apreendidos e serão periciados pela PF.
Não é a primeira vez que Moraes autoriza uma operação contra aliados bolsonaristas sem consultar a PGR. Em maio do ano passado, Aras também veio a público dizer que não foi avisado da operação que fez buscas contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
A própria origem da investigação aos empresários apoiadores do presidente nesta terça foi aberta contra a vontade da PGR. O procurador-geral já havia sugerido o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos. Ao encerrar esse inquérito, porém, Moraes autorizou o intercâmbio de provas e mandou rastrear o que chamou de "organização criminosa" identificada pela PF, dando origem à nova apuração, denominada inquérito das milícias digitais.
A investigação na qual as diligências contra empresários bolsonaristas foram ordenadas é apenas uma das que tramitam no gabinete de Alexandre de Moraes e incomodam o Palácio do Planalto. Bolsonaro é alvo de cinco apurações, sendo que em duas delas a PF viu crime por parte do chefe do Executivo.
Em um inquérito, a PGR já deu parecer - contrariou a conclusão da PF e defendeu o arquivamento da investigação sobre suposta violação de sigilo, por parte de Bolsonaro, com a divulgação de informações da corporação usadas pelo chefe do Executivo para fazer ataques ao sistema eletrônico de votação.
Tal investigação gerou um impasse entre a Procuradoria e o ministro. No parecer mais recente sobre o caso, no qual reiterou o pedido de arquivamento, a vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo, braço direito de Aras, afirmou que Alexandre "violou o sistema processual acusatório, na medida em que decretou diligências investigativas e compartilhou provas de ofício, sem prévio requerimento do titular da ação penal pública".
Ainda segundo Lindôra, o ministro atropelou até mesmo a polícia, que havia dado como concluída a investigação. Alexandre mandou os investigadores fazerem um novo relatório, de caráter adicional, no bojo da apuração, mesmo depois de a PF já ter apresentado suas conclusões implicando Bolsonaro.
Leia a íntegra da nota divulgada pela PGR
"O procurador-geral da República, Augusto Aras, esclarece que tomou conhecimento, nesta terça-feira (23), da existência da Petição 10.543, em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os autos ainda não foram remetidos à Procuradoria-Geral da República (PGR) para ciência formal da decisão do dia 19 de agosto, que determinou as diligências cumpridas nesta manhã.
Informa também que não houve intimação pessoal da ordem, conforme previsão da Lei Complementar LC 75/93 (art. 18, II, "h"), apenas entrega - em procedimento não usual - de cópia da decisão, na tarde dessa segunda-feira (22), em sala situada nas dependências do STF, onde funciona unidade de apoio aos subprocuradores-gerais da República e ao PGR."