A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (25) pedidos de arquivamento de uma série de apurações derivadas das investigações da CPI da Covid.
Braço direito do procurador-geral da República, Augusto Aras, Lindôra defende que o STF enterre expedientes que atribuíram ao presidente Jair Bolsonaro supostos crimes de charlatanismo, prevaricação, crime de epidemia, infração de medida sanitária preventiva e emprego irregular de verbas ou rendas públicas.
A vice-PGR também pediu o arquivamento de uma apuração sobre suposta prevaricação do ministro-chefe da Controladoria-Geral da União Wagner de Campos Rosário quanto às apurações sobre irregularidades na negociação da compra da vacina indiana Covaxin.
Além disso, Lindôra defendeu que uma apuração que atingiu inicialmente o deputado Ricardo Barros seja encaminhada à primeira instância, para averiguação de indícios sobre a suposta prática de fraude à licitação por parte de empresários e servidores do Ministério da Saúde.
A petição em questão foi insaturada para apurar suposta prática de organização criminosa atribuída a Barros também no caso das tratativas de compra da Covaxin. O nome do ex-líder do governo na Câmara surgiu em meio ao depoimento do deputado Luís Miranda (DEM-DF) – o parlamentar relatou à CPI que, em reunião com Bolsonaro, na qual denunciou as supostas irregularidades, o chefe do Executivo teria dito que era coisa de Ricardo Barros.
Já a apuração que trata de suposta incitação ao crime atribuída a Bolsonaro e aliados – o senador Flávio Bolsonaro, os deputados Ricardo Barros, Eduardo Bolsonaro, Osmar Terra, Beatriz Kicis, Carla Zambelli Salgado de Oliveira, Onyx Lorenzoni e Carlos Jordy – segue em curso. A PGR deu parecer favorável ao pedido da Polícia Federal para que a investigação seja prorrogada por 90 dias.
Charlatanismo
Com relação à imputação de charlatanismo, a vice-PGR argumenta que a narrativa e as provas levantadas pela CPI da Covid denotam a ausência das elementares típicas do crime. Segundo Lindôra, não há indícios mínimos de que Bolsonaro detinha o conhecimento e o domínio epistemológico, à época, da suposta "absoluta ineficácia" dos fármacos cloroquina e hidroxicloroquina no combate ao coronavírus.
A vice-PGR disse não ver vontade livre e consciente de Bolsonaro em apregoar cura infalível sabidamente ineficaz porque, em sua avaliação, o chefe do Executivo tinha plena convicção e confiança na eficácia do tratamento para a covid-19 com a utilização de cloroquina e hidroxicloroquina. "Para o direito penal brasileiro, o agente que age sinceramente acreditando nos recursos de tratamento poderá até ser tido como inculto, mas não charlatão", escreveu.
Prevaricação
Com relação a uma petição instaurada para investigar suposta prevaricação diante de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin – apuração que mirou não só Bolsonaro, mas também o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o ex-Secretário-Executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco, o atual ministro da Saúde Marcelo Queiroga e o ministro da Controladoria-Geral da União Wagner Rosário –, Lindôra ponderou que não há elementos de informação mínimos de materialidade do crime.
Lindôra entendeu que os fatos apontados pelos parlamentares foram exaustivamente analisados e deles não se extrai minimamente a prática delitiva imputada.
Epidemia majorado pelo resultado morte
Outra apuração cujo arquivamento foi solicitado pela vice-PGR se debruçava sobre suposto crime de epidemia majorado pelo resultado morte, atingindo Bolsonaro, o ministro Marcelo Queiroga, o ex-chefe da Casa Civil Walter Souza Braga Netto, o ex-ministro Eduardo Pazuello, o ex-secretário Executivo do Ministério da Saúde Antônio Élcio Franco Filho, o ex-subchefe de Monitoramento da Casa Civil Heitor Freire de Abreu, o secretário de Ciência e Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde Hélio Angotti Netto e o deputado federal Osmar Terra.
Lindôra considerou que as narrativas apresentadas e os elementos de prova angariados no inquérito parlamentar não foram capazes de confirmar a presença das elementares típicas do crime de epidemia majorado pelo resultado morte nas condutas porquanto, ainda que se possa eventualmente discordar de medidas políticas e/ou sanitárias que tenham sido adotadas, nenhum deles propagou germes patogênicos.
Infração de medida sanitária preventiva
Ao negar atribuir a Bolsonaro suposta prática de infração de medida sanitária preventiva, Lindôra alegou que o comportamento do presidente, de não usar máscara apesar de ela ser obrigatória à época, reforça um padrão de conduta que guarda sintonia com seu agir político desde o início da pandemia até os dias atuais, o que indica não haver a autoridade requerida agido com a intenção de gerar risco não tolerado a terceiros.
"Atribuir ao presidente da República a prática do crime previsto no art. 268 do Código Penal leva à conclusão de que todas as pessoas que eventualmente não tenham usado máscara em eventos e logradouros públicos ou abertos ao público deveriam ser punidas nos termos daquele comando normativo, pressupondo com automática e indistinta a presença do dolo de transgredir a sua premissa básica, o que conduziria a uma indesejável maximização do Direito Penal", afirmou.
Além disso, Lindôra argumentou que, com relação ao tópico das aglomerações promovidas por Bolsonaro em plena fase aguda da pandemia, o acúmulo de pessoas não pode ser atribuído exclusiva e pessoalmente ao presidente da República. "Todos que compareceram aos eventos noticiados, muito embora tivessem conhecimento suficiente acerca da epidemia de covid-19, responsabilizaram-se, espontaneamente, pelas eventuais consequências da decisão tomada", diz a vice-PGR.
Emprego irregular de verbas públicas
A quinta apuração que Lindôra defende enterrar se debruça sobre suposto crime de emprego irregular de verbas públicas, por parte de Bolsonaro e Pazuello, com a ordem de produção de cloroquina – medicamento sem eficácia contra a covid-19 – sem o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A vice-PGR argumentou que as condutas imputadas à dupla se deram em um contexto de pandemia em que ainda não havia tratamento eficaz para o controle da covid-19. A conduta de estimular o chamado tratamento precoce, sem qualquer eficácia comprovada, foi na contramão das práticas de todo o mundo.
Para Lindôra, a decisão dos gestores federais foi a de ampliar a produção dos fármacos e colocá-los à disposição da população, considerando-se mesmo os indicadores de aumento da demanda. Segundo ela, o acerto ou desacerto da decisão não é objeto do crime em apreço, mas se insere na órbita da gestão pública.