No discurso de reabertura das atividades do Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, reagiu aos ataques dos últimos dias desferidos pelo presidente Jair Bolsonaro e, em tom contundente, disse que "os juízes precisam vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de eventuais ameaças".
Fux não citou o nome de Bolsonaro, mas o recado foi claro quando ele cobrou respeito às instituições e afirmou que a manutenção da democracia exige permanente vigilância.
— Harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições — afirmou Fux nesta segunda-feira (2).
A intervenção de Fux ocorre num momento de crise institucional entre os Poderes, na esteira de acusações de Bolsonaro contra a urna eletrônica e ameaças golpistas de que não haverá eleições se não houver voto impresso.
O presidente do STF vinha sendo cobrado a se posicionar diante das ameaças golpistas de autoridades do governo federal. Como antecipou o Estadão, Fux se dedicou nos últimos dias a redigir o discurso lido na tarde desta segunda. Em resposta, o ministro sinalizou que punições aos excessos não estão fora do escopo da Corte:
— Nós, do Supremo Tribunal Federal, ainda quando nossas atuações tenham que ser severas, jamais abdicaremos os nossos deveres e responsabilidades. Os poderes em geral atuam independentes e harmônicos, sem que haja superpoderes entre aqueles instituídos pela ordem constitucional.
— Permanecemos atentos aos ataques de inverdades à honra dos cidadãos que se dedicam à causa pública. Atitudes desse jaez deslegitimam veladamente as instituições do país; ferem não apenas biografias individuais, mas corroem sorrateiramente os valores democráticos consolidados ao longo de séculos pelo suor e pelo sangue dos brasileiros que viveram em prol da construção da democracia de nosso país — continuou.
Sem citar nominalmente Bolsonaro e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, a mensagem de Fux foi entregue de forma clara aos destinatários, que também inclui os comandantes das Forças Armadas.
Como publicou o Estadão, o general que chefia a pasta da Defesa mandou um interlocutor avisar aos poderes que os militares não estariam dispostos a permitir a realização de eleições em 2022 se não fosse aprovado o voto impresso. O recado chegou ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que cobrou de Bolsonaro respeito à democracia. O parlamentar alagoano ainda teria dito que não está disposto a pactuar com rupturas institucionais.
Em discurso afinado com o do presidente da Câmara, Fux afirmou que a manutenção da democracia exige vigilância permanente e pressupostos indissociáveis à estabilidade das instituições.
— Numa sociedade democrática, momentos de crise nos convidam a fortalecer — e não deslegitimar — a confiança da sociedade nas instituições. Afinal, no contexto atual, após trinta anos de consolidação democrática, o povo brasileiro jamais aceitaria que qualquer crise, por mais severa, fosse solucionada mediante mecanismos fora dos limites da Constituição — afirmou.
Na quinta-feira (30), porém, Bolsonaro voltou a subir o tom contra as instituições e a ameaçar a estabilidade democrática. O político realizou uma transmissão ao vivo que prometia ser o desfecho do tumulto histórico de ilações de fraude eleitoral. Bolsonaro, porém, entregou aos espectadores duas horas de notícias falsas, vídeos datados e fora de contextos e análises enviesadas sobre o processo de auditagem das urnas.
— É de sabença que o relacionamento entre os poderes pressupõe atuação dentro dos limites constitucionais, com freios e contrapesos recíprocos, porém com atuação harmônica e alinhamento entre si em prol da materialização dos valores constitucionais. O regime democrático necessita ser reiteradamente cultivado e reforçado, com civilidade, respeito às instituições e àqueles que se dedicam à causa pública. Ausentes essas deferências constitucionais, as democracias tendem a ruir — afirmou.