Foi absolutamente incomum a manifestação dos magistrados que presidiram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde 1988 em defesa do atual modelo de eleições no Brasil. A nota, que é assinada também pelo atual presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, pelo vice, Edson Fachin, é uma resposta aos ataques do presidente Jair Bolsonaro, feitos na quinta-feira passada (29), em live com transmissão pela TV Brasil.
Apesar da admissão de que não tem as provas de fraude que prometera apresentar, Bolsonaro seguiu na mesma toada dos últimos três anos, colocando em dúvida a credibilidade do sistema eleitoral. E convocou o que chamou de seu “exército” para as manifestações de domingo (1º), em defesa do voto impresso, enfeitado com adereços como “voto auditável”, “voto democrático” e “eleições limpas”.
Embora a responsabilidade pela aprovação de mudanças no sistema seja do Congresso, Bolsonaro atacou o ministro Barroso em particular, por ter sido depois de uma conversa com o presidente do TSE que líderes dos partidos aliados do governo recuaram na intenção de aprovar o voto impresso. Em vez de questionar os deputados e senadores de sua base, o presidente optou por responsabilizar Barroso pelo insucesso no Congresso e lançar no ar a teoria conspiratória de que a resistência ao voto impresso seria parte de um movimento para eleger o ex-presidente Lula em 2022.
Nas manifestações de domingo, os bolsonaristas adicionaram um ingrediente novo ao que chamam de “voto auditável”, a “contagem pública”, um delírio que não consta da proposta original da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Antes, o voto impresso era defendido como uma espécie de salvaguarda para o caso de alguém questionar o resultado de determinada urna e para que, depois de votar, o eleitor pudesse enxergar seu voto no visor de uma impressora. A “contagem pública” é uma invenção que camufla a intenção de tumultuar o processo. Hoje a apuração é pública: o boletim de urna com o resultado daquela seção é impresso e fica à disposição de mesários, fiscais e autoridades. O resultado é transmitido ao Tribunal Superior Eleitoral e qualquer cidadão pode conferir se os dados lançados conferem.
Os ministros perceberam a armadilha. A nota diz que a volta da contagem manual seria um regresso a um cenário de "fraudes generalizadas". Quem viveu o tempo das eleições sem voto eletrônico sabe que essa era a realidade do Brasil.
"A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil", diz um trecho da nota.
Inaugurada na eleição de 1996, em parte das seções eleitorais, a votação eletrônica nunca teve qualquer registro de fraude. O próprio Bolsonaro foi eleito deputado federal nos últimos anos por esses sistema e presidente da República em 2018, mas criou a narrativa fantasiosa de que teria vencido no primeiro turno.
Em outro trecho da nota os ministros afirmam: "Jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições. Nesse período, o TSE já foi presidido por 15 ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao longo dos seus 25 anos de existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas de segurança".
Barroso e seus antecessores sustentam que a urna de 1996 foi aprimorado ao longo dos anos e que, ao contrário do discurso bolsonarista, o sistema é auditável. Além disso, as urnas não são conectadas à internet, o que derruba a teoria de que poderiam ser invadidas por hackers.
Diz a nota: “As urnas eletrônicas são auditáveis em todas as etapas do processo, antes, durante e depois das eleições. Todos os passos, da elaboração do programa à divulgação dos resultados, podem ser acompanhados pelos partidos políticos, Procuradoria-Geral da República, Ordem dos Advogados do Brasil, Polícia Federal, universidades e outros que são especialmente convidados”.