Inconformada com a confusão na coleta de votos durante a sessão da Assembleia Legislativa que culminou com a derrubada, em primeiro turno, do plebiscito para venda de estatais, a oposição protocolou recurso pedindo anulação das correções feitas pela presidência da Casa. Se a medida prosperar, o efeito imediato é uma reversão do resultado, com a vitória governista se transformando em derrota na tentativa de dispensa da consulta pública antes da privatização da Corsan.
Pelo placar final, o governo aprovou a PEC por 33 votos a 18. Para se chegar a essa conta, porém, o presidente Gabriel Souza precisou fazer duas correções após o fim da sessão. Num primeiro momento, Souza alterou o teor do voto de Dirceu Franciscon (PTB). Ele disse ter votado a favor da proposta, mas seu voto acabou registrado como contrário pela assistência.
Mais tarde, foi anulado o voto de Neri, o Carteiro (SD). O deputado participa da sessão por videoconferência e perdeu a conexão na hora de votar, mas mesmo assim teve a posição a favor da PEC registrada por Souza, que alegou ter feito uma coleta visual do voto. A oposição protestou e, três horas após o término da sessão, o presidente reconheceu o equívoco.
Ao cabo, o placar ajustado da votação ficou em 33 a 18. A oposição, porém, quer reverter a medida que alterou o voto de Franciscon. Com isso, o resultado ficaria 32 a 19. Como mudanças na Constituição exigem no mínimo 33 votos favoráveis, o eventual atendimento do recurso resultaria na rejeição da PEC.
Contendo cinco páginas com um relato dos acontecimentos registrados durante a votação, o documento foi protocolado por volta das 23h de sexta-feira (30). Assinam o recurso o deputado Gerson Burmann (PDT), primeiro a reclamar da postura de Souza durante a coleta de voto de Neri, além dos líderes do PDT, Juliana Brizola, do PT, Pepe Vargas, e do PSOL, Luciana Genro.
Internamente, são dois os prováveis caminhos para o pedido da oposição: a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou o plenário da Casa. Como se trata de uma decisão polêmica e sujeita a questionamentos jurídicos, é improvável que Souza tome uma decisão monocrática.
- Na segunda-feira (03) vou analisar o recurso e decidir qual encaminhamento será dado - diz o presidente da Assembleia.
Há vários complicadores no episódio. O primeiro é o procedimento determinado pelo regimento interno da Assembleia, no qual o artigo 140 afirma que “terminada a apuração, o presidente proclamará o resultado, não cabendo a modificação de voto”. O segundo é o respeito à posição do parlamentar. Há um áudio de Franciscon declarando-se favorável à PEC, mas o voto acabou sendo computado como contrário.
Como o segundo turno da PEC está previsto para ser votado em 11 de maio, a oposição espera que haja uma decisão em breve. Todavia, já consta no recurso um pedido para que a Assembleia suspenda a contagem do interstício de três sessões entre as votações para evitar que os deputados voltem a deliberar sobre o tema enquanto não houver uma definição do resultado do primeiro turno. Os partidos já projetam acionar o Judiciário caso nenhuma das iniciativas tenha êxito.
Além dos desdobramentos jurídicos, a estratégia de PDT, PT e PSOL também é política. Tão logo surgiu a controvérsia em torno da correção do placar, a ideia era pedir a anulação da votação. A medida, porém, não tinha poder de evitar uma nova vitória do governo.
Ao mudar o foco e pedir apenas a anulação da correção do voto de Franciscon, a oposição tem o objetivo de reverter a derrota e ainda remeter a PEC ao arquivo, já que uma matéria rejeitada em plenário não pode ser votada novamente no mesmo ano. Se isso ocorrer, o governo terá de enviar outra PEC à Assembleia, de teor semelhante, mas são escassas as chances de o texto ser apreciado em plenário ainda em 2021.